A fábula dos corvos e o perdão do vento
- Luis Alcubierre
- há 1 dia
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Na clareira mais antiga da floresta, erguia-se o Galho Sagrado. Ele era o coração da vida em comum, onde todas as aves, feras e insetos reconheciam a ordem da natureza.
Certa noite, em voo negro e estrondoso, os corvos invadiram o Galho. Rasgaram folhas, despedaçaram ninhos, derrubaram ovos ainda quentes. Riam em meio à destruição, certos de que ninguém ousaria contê-los.
Ao amanhecer, a floresta estava em silêncio. O beija-flor pairava atônito diante da flor mutilada. O tatu, ao sair da toca, não reconhecia a clareira. As araras, que sempre cantavam ao sol, guardaram suas cores em silêncio. E até o leão, soberano do vale, rugiu com tristeza. Não havia honra em devorar o próprio abrigo.
Convocado, o Conselho dos Sábios reuniu-se. A Coruja, que velava pelas noites, abriu as penas e declarou:
— A floresta exige reparação. Quem destruiu, há de responder!
Os animais aplaudiram com esperança. A justiça parecia enfim descer dos galhos.
Mas eis que os corvos, com olhos brilhando de astúcia, encontraram aliados em alguns pavões vaidosos do pátio. Estes sugeriram e fizeram de tudo para a criação da Lei do Vento. “Deixemos que o vento leve as culpas. Assim voltaremos à paz, sem rancores nem julgamentos”, proclamaram, desfilando suas penas vistosas.
A floresta estremeceu.
— Se o vento apaga tudo, indagou o jabuti, com sua voz lenta, o que impedirá que amanhã os corvos voltem a destruir?
— Quem não se lembra, disse o elefante, guardião da memória, está condenado a reviver a mesma noite.
— E que paz é essa?, perguntou o beija-flor. A paz dos corvos não é a nossa paz.
Os macacos, por sua vez, subiram nos galhos e imitaram os discursos dos pavões, arrancando gargalhadas nervosas: “Somos inocentes, foi só uma ventania!”, zombavam, escancarando o cinismo.
E a coruja, firme, concluiu:
— O vento pode levar folhas secas, mas não leva o peso das árvores. Quem destrói o tronco deve responder pelo tronco. Perdão não é justiça, é esquecimento.
A floresta inteira, dos insetos às feras, uniu-se em um coro de murmúrios, que ecoou como trovão: “Sem memória, não há galho que resista.”
E assim, a fábula deixou sua lição. Quando o mal se disfarça de inocência e pede o perdão do vento, cabe à floresta inteira dizer não, porque a verdadeira paz nasce do reconhecimento da culpa e não do seu esquecimento.
Uma floresta que absolve a destruição em nome da concórdia, cedo ou tarde, verá seus galhos tombarem outra vez.

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