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Entre o ser e o parecer

Vivemos um momento delicado, e revelador, da tensão existente entre agir de forma ética e moralmente correta, e o risco de que esses atos, por sua proximidade com o poder, sejam interpretados apenas como aparência de integridade. Os episódios recentes envolvendo o Banco Master, o Supremo Tribunal Federal (STF) e ministros dessa corte ilustram de forma crua essa ambivalência. No fundo, o que está em jogo não é apenas a veracidade dos atos, mas a confiança pública, que se abala com qualquer sombra de dúvida, mesmo que o formal esteja preservado.

No primeiro caso, o banco contratou o escritório da esposa do ministro Alexandre de Moraes. Apesar de não haver qualquer indício público de que sua atuação estivesse ligada às fraudes investigadas, o simples fato da contratação gera indisfarçável ruído.  Esse contexto já seria por si só um teste severo da “moral institucional”: basta que a percepção popular associe o nome de uma autoridade à de um investigado, não necessariamente por culpa ou envolvimento, para que essa autoridade passe a carregar um ônus reputacional. Em termos práticos, agir com integridade e transparência muitas vezes não basta. O ambiente exige blindagem contra a aparência do conflito.

Outro episódio recente foi protagonizado pelo ministro Dias Toffoli, que viajou de jatinho particular para a final da Libertadores em Lima, acompanhado de um advogado ligado ao Banco Master, exatamente no momento em que o caso chegava a seu gabinete e dias antes de ele impor sigilo absoluto à investigação. A decisão de avocar o processo para o STF e torná-lo uma “caixa-preta” só reforça a percepção pública de proximidade entre relator e partes investigadas, independentemente do que tenha sido debatido de fato nessa viagem. Para muitos, esse tipo de evento se encaixa na esfera do “parecer moral”. Não há necessariamente uma transgressão formal, mas a aparência de parcialidade ou favorecimento mina a credibilidade institucional.

Além disso, existe o histórico de eventos organizados pelo ministro Gilmar Mendes. O já famoso Fórum Jurídico de Lisboa, conhecido informalmente como “Gilmarpalooza”, que reúne magistrados, políticos, empresários e advogados em debates internacionais, custeados por entidades privadas, inclusive empresas sujeitas a processos perante o STF. O fato de essas interações fazerem parte de uma rotina institucional torna ainda mais evidente em que a ética formal e a moral institucional precisam levar em conta não só os atos concretos, mas a aparência e a reputação.

A partir desses exemplos, defendo que, mesmo quando os mecanismos de compliance ou chinese walls sejam formalmente respeitados, os advogados vinculados a ministros de cortes superiores, ou quaisquer entidades de poder, deveriam declarar-se impedidos para representar casos sensíveis que possam chegar a seus familiares, colegas ou àquela corte. Essa atitude não seria sinal de desconfiança antecipada, mas de cuidado institucional. Preservar a integridade da justiça, proteger a confiança pública e evitar que percepções, mesmo que injustas, corroam o Estado de Direito.

Agir com ética e moralidade não é suficiente se a percepção pública capta dúvida. E não é aceitável que o zelo ético seja limitado ao “dentro dos autos”. A legitimidade institucional depende também, e talvez sobretudo, da clareza externa, da ausência de dúvidas e de construções de reputação que reforcem a imparcialidade.

É hora de reconhecer que a transparência formal não exime da responsabilidade reputacional. É preciso lembrar que, em uma democracia saudável, o que vale não é só o que se faz, mas o que os cidadãos percebem e confiam.

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Imagem: Envato Elements

 
 
 

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