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VAR Corporativo. Quando a decisão é terceirizada no colegiado

Há uma imagem simples que me persegue e inquieta. O árbitro que, em vez de apitar, tira os olhos do jogo e recorre a uma tela na beira do gramado. Não é apenas um gesto técnico, mas simbólico. No mesmo movimento em que a tecnologia entrou para aperfeiçoar a justiça esportiva, muitos ambientes corporativos permitiram que “o colegiado remoto” se transformasse em uma alternativa confortável à tomada de decisões. E aí chegamos ao ponto. Há um novo vício entre nós: a terceirização da responsabilidade.

Vemos executivos que, por medo do erro, por aversão à exposição ou por cálculo político, preferem empurrar a caneta para um comitê, uma comissão, um painel de especialistas ou uma caixa de e-mails cheia de cópias. Há também o fenômeno do executivo tóxico que não deveria mais vestir um crachá corporativo, aquele que usa o colegiado como escudo para decisões que, na essência, exigiam liderança clara e responsabilidade pessoal.

Não confundir colegiado com covardia: em muitas ocasiões, o plural é indispensável. A governança colegiada protege, legitima e amplia a qualidade das decisões. O problema surge quando o colegiado vira pretexto para omissão. O paralelo com o VAR na arbitragem brasileira me parece produtivo porque ensina a diferença entre ferramenta de suporte e o substituto de função.

O VAR deveria ser um recurso para corrigir erros óbvios, não para anular o árbitro de campo. Da mesma forma, comitês e painéis devem informar, enriquecer e desafiar a decisão do responsável, não substituí-la. Quando a governança transforma cada decisão em “assunto de colegiado”, criamos um efeito colateral perverso. Ninguém sente que é dono do problema. E sem dono, nada aprende com os erros. Apenas os reproduz com novas justificativas.

Há uma agenda prática a cumprir. Esclarecer os direitos de decisão, estabelecer escalonamentos objetivos, medir a qualidade das decisões e treinar líderes para decidir com humildade. É preciso definir quem decide, quem consulta e quem executa. E criar incentivos que não punam a responsabilidade, recompensando a iniciativa tanto quanto se penaliza o erro intencional.

Mas há uma dimensão cultural que não se resolve com organogramas. É preciso restaurar a narrativa do líder como mentor e não como escape. Decidir é um ato relacional. Envolve explicar, ouvir, assumir resultados e, quando necessário, pedir desculpas. Recuperar a dignidade de decidir exige coragem e vulnerabilidade ética. A coragem de admitir limites e de assumir consequências.

Voltando ao campo, não peço que abandonemos o VAR. Peço que não transformemos a evolução tecnológica em pretexto moral para abdicar do protagonismo humano. O árbitro que abandona a sua responsabilidade por confiar cegamente em uma tela está sacrificando a autoridade que lhe dá sentido. O executivo que delega todas as decisões ao colegiado está trocando liderança por conveniência. Em ambos os casos, o preço é alto: confiança perdida, ritmo estratégico reduzido, e uma cultura que confunde segurança com imobilismo.

Num mundo que exige agilidade e ética ao mesmo tempo, o desafio é ensinar que governança não é sinônimo de fuga. É, quando bem desenhada, o mapa que orienta a tomada de risco responsável. E quem veste o crachá deve lembrar que decidir bem é um exercício de humildade, coragem e prestação de contas.

Não há tecnologia, comitê ou playbook que substitua isso. O que precisamos reinstituir nas organizações é simples, mas ao mesmo tempo difícil: competência para decidir, coragem para responder e humanidade para aprender.


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