Réquiem do belo
- Luis Alcubierre
- 25 de jun.
- 2 min de leitura
São Paulo tem um talento especial para matar o que funciona e ressuscitar o que há de pior. A história se repete com requintes de cinismo. A Lei Cidade Limpa foi uma das poucas políticas públicas que nos últimos 20 anos conseguiu provocar um genuíno orgulho no paulistano. Agora, a Câmara Municipal da cidade decidiu discutir um projeto de lei que pode flexibilizar aquilo que, com tanto custo, a população conseguiu conquistar.
Quem vive aqui sabe: a retirada dos outdoors, a limpeza visual, a possibilidade de finalmente enxergar a arquitetura da cidade, mesmo com todas as cicatrizes do passado, foi um respiro de dignidade urbana. Mas por que manter o belo se por trás de cada avanço sempre paira a tentação de corrompê-lo, mercantilizando a paisagem e abrindo mais uma porta para o velho jeitinho que tudo contamina?
É fascinante como o discurso da modernização e da revitalização consegue vestir qualquer passo atrás com uma fantasia de progresso. Falam em transformar algumas esquinas em Times Square. Não se iludam. Não haverá musicais com orquestras afinadas nem espetáculos luminosos de criatividade e cultura. O que vem por aí é o mesmo de sempre: um “catadão” de mau gosto: placas piscantes disputando a atenção do olhar já cansado, uma overdose de estímulos vazios onde antes existia ao menos algum resquício de contemplação.
São Paulo já foi linda. Nos anos 30 e 40, do Século XX, sonhávamos com uma vocação europeia. Hoje, abraçamos a estética do improviso permanente, do entulho empilhado, da paisagem poluída em todas as camadas - visual, sonora, humana. Demolimos bairros inteiros de casas históricas para levantar torres, concentrando mais gente em menos espaço, empurrando a mobilidade para o caos e tratando o espaço público como território de ninguém.
Como canta Criolo: “Não existe amor em SP”. E quem olha para as decisões que saem da Câmara Municipal entende bem o porquê.
A narrativa oficial sempre é a mesma: audiências públicas serão realizadas, assim como consultas técnicas e a escuta da sociedade civil. Mas o roteiro é velho e o final, previsível. A pressão da grana é faca, e a carne institucional, como sempre, é fraca. As intenções se escondem atrás de palavras como “inovação”, “ocupação criativa”, “modernização da paisagem urbana”. No fundo, é apenas mais uma página de um velho livro: aquele que ensina como destruir o que é público em nome do privado.
A São Paulo que resiste ao feio está, mais uma vez, à beira de um novo ciclo de violência estética e urbana, porque o que está se propondo não é evolução, é retrocesso. É um réquiem. E pelo jeito, sem direito a aplausos no final.

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