Quando a fábula dos corvos e dos pirilampos encontra a resistência
- Luis Alcubierre
- 21 de set.
- 2 min de leitura
Na clareira mais antiga da grande floresta, o Galho Sagrado tentava se recompor do estrago. As cicatrizes da noite em que os corvos rasgaram ninhos e espalharam o caos ainda marcavam troncos e memórias. Muitos acreditavam que a justiça, prometida pelo Conselho dos Sábios, traria equilíbrio. Mas enquanto a vida buscava o ritmo natural, novas sombras se moviam entre os galhos.
Em segredo, alguns pavões vaidosos uniram-se aos corvos e propuseram algo sedutor: a Redoma Dourada. Sob palavras mansas, diziam querer proteger a clareira de perseguições injustas. Na verdade, era um feitiço para garantir que nenhum deles respondesse por seus crimes. “Deixemos que o vento leve as culpas”, repetiam, lembrando a velha cantilena do perdão. O cinismo ecoava como gargalhada contida.
O Conselho dos Sábios, pressionado por pavões e corvos, hesitou. A Coruja advertiu: “Quem destrói o tronco deve responder pelo tronco. Perdão não é justiça, é esquecimento.” Mas os aliados da Redoma avançaram em voos rápidos, aprovando a magia que blindaria não só quem devastou o Galho, mas também quem conspirava nas sombras.
A floresta, outrora unida, sentiu o peso da chantagem. O Pavão-Cinza discursava sobre prudência, pedindo mais provas, enquanto os corvos observavam em silêncio astuto. O Elefante, guardião da memória, rugiu: “O vento não apaga raízes. Quem ri em meio ao estrago não é vítima.” Mas muitos temiam o poder da Redoma e o farfalhar de ameaças que pairava no ar.
Foi então que, numa manhã de céu aberto, três pássaros de canto cristalino, Sabiá, Uirapuru e Rouxinol, alçaram voo sobre o vale. De suas gargantas brotou um cântico que atravessou rios e montanhas, convocando toda a floresta para um grande encontro. “Venham, irmãos! Que a luz de cada asa se una ao nosso canto. O Galho Sagrado não pode ser silenciado!”
Animais de todas as cores e tamanhos responderam. Pirilampos iluminaram trilhas, onças marcharam em silêncio respeitoso, beija-flores vibraram como flechas de esperança. A música dos três pássaros tornou-se um trovão de resistência. Era mais que protesto: era a própria vida da floresta defendendo sua memória e seu direito à justiça.
Corvos e pavões, percebendo a força do coro, recuaram para as sombras, ainda que sem arrependimento. Sabiam que a clareira desperta não aceitaria o esquecimento embalado em cantos de vento. A Coruja, pousada no alto, encerrou o dia: “A verdadeira paz não nasce do medo nem da blindagem. Ela floresce quando todos, grandes e pequenos, respondem por seus atos.”
E assim a floresta aprendeu, mais uma vez, que a vigilância coletiva é a única luz capaz de atravessar a noite mais densa. Porque onde a memória canta, nenhuma Redoma consegue apagar o brilho da justiça.
Que este pesadelo pelo qual a Floresta passa, termine como esta fábula.

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