Qual o preço da mentira?
- Luis Alcubierre
- 22 de jun.
- 2 min de leitura
Curiosamente, o tema passou quase despercebido pelo grande noticiário. Salvo um artigo bem elaborado da colunista Josette Goulart, no UOL - Universo Online, e uma matéria no Valor Econômico, assinada por Luana Dandara, Daniela Braun e Andrea Assef, poucos deram a devida atenção a um episódio que, na essência, deveria provocar um debate mais amplo sobre ética, transparência e propósito na comunicação.
O caso envolve uma grande empresa da indústria de eletrodomésticos e uma agência conhecida do mercado publicitário brasileiro. A organização ainda apura os fatos, e por respeito ao devido processo, prefiro omitir os nomes. O motivo: a inscrição de uma campanha no Cannes Lions International Festival of Creativity que, segundo diversos apontamentos de mercado, não condiz exatamente com a realidade de execução e entrega ao consumidor final. Um caso clássico daquilo que o setor, com certo constrangimento, já batizou de Scan Ads, projetos criados quase que exclusivamente para conquistar prêmios, sem vínculo efetivo com a vida real.
O contexto, ironicamente, não poderia ser mais simbólico. Este foi o ano em que o Brasil, com justiça, foi celebrado no Festival por sua impressionante trajetória e contribuição à história da publicidade mundial. Foram 107 Leões conquistados nesta edição, incluindo 6 Grand Prix, além de uma merecidíssima homenagem a Washington Olivetto, um dos nomes que ajudaram a colocar o país no mapa global da criatividade.
É justamente por esse legado que o debate ético se torna ainda mais urgente.
Toda premiação tem, ou deveria ter, um objetivo claro: reconhecer ideias que geram impacto real, que transformam percepções de maneira legítima e que constroem valor para as marcas e para a sociedade. Criar campanhas fantasmas ou inflar resultados apenas para impressionar jurados é um atalho que, a longo prazo, cobra um preço alto. Coloca em risco a credibilidade de uma indústria que levou décadas para conquistar o respeito que tem hoje. Não é nada, não é nada… o primeiro Leão de Ouro brasileiro foi comemorado na primeira metade dos anos 70. Lá se vão mais de 50 anos de construção dessa reputação.
Não se trata de demonizar a criatividade, muito menos de impor freios ao talento. Trata-se de lembrar que comunicação é, antes de tudo, um compromisso com a verdade. Quando uma campanha nasce apenas para ganhar troféus, sem lastro na realidade, ela trai esse compromisso. E quem perde não é só o anunciante ou a agência envolvida. Perde o mercado. Perde a confiança. Perde o consumidor.
Vivemos um tempo em que a autenticidade deixou de ser um diferencial para se tornar premissa de sobrevivência de marca. O público, mais informado, mais crítico e menos tolerante, não perdoa narrativas fictícias. Quer campanhas que respeitem sua inteligência, que tenham propósito vivido, não apenas uma bela história e uma estética irretocável no Powerpoint.
Nunca é demais lembrar: reputação até pode ganhar tração com um case moldado para um festival, mas é a ética, a verdade e a conexão legítima entre marcas e pessoas que sustentam essa reputação no longo prazo. O Brasil, que tanto brilhou em Cannes ao longo das últimas cinco décadas, merece que a sua indústria siga pelo bom caminho.
Um caminho cujo principal prêmio não é metálico, mas humano: a confiança e a fidelidade de quem consome, recomenda e acredita.

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