Por que brigamos?
- Luis Alcubierre
- 15 de jun.
- 3 min de leitura
Enquanto ainda tentamos entender o tamanho da ferida aberta entre Rússia e Ucrânia, agora assistimos à escalada entre Israel e Irã. Como se os conflitos tivessem fila, como se a humanidade tivesse uma agenda marcada para o próximo desastre. O Sudão arde em silêncio; o Iêmen agoniza; o Congo sangra e a Síria segue num conflito que já virou paisagem. Armênia e Azerbaijão somam outro capítulo, sem contar as tensões políticas e étnicas que se espalham por diversas regiões da África, da Ásia e até mesmo de nossa América Latina. Há brigas por terra, por poder, por vingança, por medo, por mágoa acumulada.
A pergunta que insiste em voltar é sempre a mesma: por que continuamos brigando?
Desde sempre, o ser humano caminha com dois impulsos debaixo da pele: o desejo de se conectar e o medo de ser destruído. A agressividade não é um erro de fabricação, é uma ferramenta que nos trouxe até aqui. Foi o que nos manteve vivos quando tudo ao redor parecia ameaça. A guerra, seja entre países ou dentro de uma sala de jantar, é o transbordamento daquilo que não conseguimos elaborar. É a projeção da nossa sombra, daquilo que não queremos ver em nós, mas fazemos questão de enxergar no outro. O cérebro, ainda programado para a sobrevivência da caverna, reage. Fuga, luta ou congelamento. Sempre igual. É mais fácil reagir do que refletir; mais simples atacar do que organizar a dor; mais rápido odiar do que entender o que nos machuca. A mágoa, quando não digerida, vira ressentimento. O ressentimento fermenta e vira ódio; o ódio se instala e vira destruição.
O processo de viver em sociedade é, no fundo, um exercício diário de contenção. A civilização é isso: um pacto silencioso de que vamos tentar segurar o nosso próprio impulso de explodir. Não por fraqueza. mas por escolha. por inteligência emocional, por desejo de construção.
A violência, em qualquer escala, nasce quase sempre de uma dor mal resolvida, um medo de perder, um orgulho ferido, uma frustração que ficou entalada ou até uma carência de reconhecimento. O estopim pode ser pequeno, mas a carga emocional acumulada é enorme. E, sim, há alternativas, mas nenhuma delas é simples. Elaborar, nomear os sentimentos, criar espaço para o diálogo real - aquele onde escutamos de verdade e não só preparamos a próxima resposta enquanto o outro fala. Aprender a reconhecer o que é nosso e o que é do outro. E, principalmente, abrir mão de estar certo o tempo todo.
Nas relações pessoais, a mesma lógica: pequenas guerras diárias entre casais, amigos, famílias, colegas de trabalho. O problema raramente é o que parece ser. Não é a louça na pia; não é o e-mail atravessado; não é o tom de voz. É a história mal contada por trás de tudo isso.
O que se perde nesses embates nem sempre aparece na hora. Mas um dia a conta chega. A confiança some; o afeto esfria; vínculos se rompem. E quando a gente percebe, já está cada um no seu canto, com a razão intacta e a relação em pedaços.
Interromper esse ciclo exige coragem. A coragem de desarmar o próprio ego. De respirar fundo antes de reagir. De admitir a própria dor. De reconhecer a dor do outro. Não é ceder por fraqueza; é escolher a construção, mesmo com o orgulho gritando para fazer o contrário. Toda guerra tem quem ache que ganhou. Mas, no longo prazo, sempre há mais perdas do que vitórias. O ódio é uma ilusão de força. Uma anestesia momentânea. Depois que passa, só sobra o vazio.
Talvez a maior prova de força que a gente possa dar hoje seja essa: interromper o ciclo. Escolher, mesmo com dor, o caminho da construção.

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