O espetáculo grotesco patrocinado
- Luis Alcubierre
- há 3 dias
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O que se viu no confronto entre Acelino “Popó” Freitas e Wanderlei Silva no âmbito do Spaten Fight Night 2 foi além de um duelo de boxe entre veteranos. Foi uma narrativa de tensões não contidas, expectativas inflamadas e, ao fim, de degradação do rito. O combate foi anunciado como uma luta oficial, no formato “Special Fight”, com registro no Conselho Nacional de Boxe, em oito assaltos de dois minutos, com juízes laterais, embora já houvesse diferenças claras de porte físico e peso entre os lutadores. Popó, experiente e técnico, exigiu cláusulas contratuais relacionadas a nocaute e controle de peso; Wanderlei Silva, por sua vez, veio mais pesado. Essas assimetrias, somadas à retórica agressiva, como provocações públicas e trocas de ofensas em coletivas, já indicavam o risco latente.
O clímax da disputa incluiu a desqualificação de Wanderlei Silva no quarto assalto por infrações múltiplas: socos após o apito, cabeçadas, desobediência ao árbitro e, logo depois, uma briga generalizada envolvendo equipes dos dois lados. Houve até agressão fora do esperado. Silva foi atingido e caiu desacordado após o encerramento formal do combate. A cena chocou quem acreditava que combates regulamentados mantêm a disciplina, mesmo sob choque emocional.
O que toda essa turbulência evidenciou é o risco significativo que patrocinadores enfrentam ao se associarem a espetáculos que perdem o controle. Quando um homem no ringue deixa de ser apenas um lutador e passa a agir de forma violenta, desordenada e em desacordo com o regulamento, a marca não está apenas investindo em exposição, mas assumindo um caminho carregado de incertezas reputacionais. Quando o lutador extrapola, ele deixa de representar a prática técnica ou artística de uma arte marcial e passa a protagonizar um espetáculo que flerta com a barbárie.
As marcas que patrocinam esses eventos querem atributos positivos: coragem, superação, energia, desafio, autenticidade. E com razão. O marketing global, como disse o grande Al Ries, um dos mais influentes teóricos do marketing e da publicidade do século XX, “você é o que as pessoas percebem que você é". Quando o espetáculo desliza para o grotesco, desordem, falta de controle e agressão fora de regra, a percepção que se instala pode ser irresponsabilidade, escândalo, promoção da brutalidade.
O paralelo com a Red Bull, que se envolve com esportes extremos, mas trabalha com engenharia, segurança, regras, preparação técnica, serve para mostrar que é possível buscar o limiar do inusitado sem destruir as normas mínimas que protegem a reputação. Na última semana, o skatista Sandro Dias desceu uma megarrampa montada na fachada do prédio do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), em Porto Alegre, e bateu o recorde mundial ao encarar uma descida de 70 metros, em mais um evento de sucesso da marca.
Ao contemplar tudo isso o que aconteceu na noite passada, nos perguntamos se alguém escreveu claramente o manual de comportamento para esse evento? Regras de conduta para equipe e entourage, protocolos pós-luta, sanções previsíveis para quem ultrapassa o limite do regulamento. Sim, há regulamentos técnicos, normas contratuais, árbitros, mas em nenhum momento a organização pareceu preparar para que, concluído o combate, viesse o caos. Talvez, sim, não sei. Aliás, se o objetivo é esporte, há uma diferença decisiva entre lutar como disciplina e brigar por espetáculo. Quem quer esporte treina técnica, honra e respeita o adversário. Quem quer espetáculo muitas vezes alimenta o conflito, provoca, pressiona para que a luta saia dos trilhos.
É de se lamentar que boas intenções, como a promoção do boxe, a visibilidade para atletas experientes e a oferta de entretenimento acabem nocauteadas por lapsos de controle. Valores como respeito, segurança e decoro devem sustentar não apenas marcas e suas reputações, mas sobretudo a dignidade de quem faz o espetáculo.

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