O espetáculo das arquibancadas. Quando a paixão ofusca a razão
- Luis Alcubierre
- 24 de set.
- 2 min de leitura
O debate público vem se convertendo, cada vez mais, em uma arena. Antes mesmo do apito inicial, as arquibancadas já estão tomadas por torcidas uniformizadas, com slogans ensaiados e a convicção de que ocupam “o lado certo da história”. No cenário, o espaço que deveria abrigar o diálogo plural se reduz a um cabo de guerra interminável, no qual ninguém, de fato, ganha nada.
A verdadeira questão que emerge não está nos fatos em si, mas na maneira como eles são lidos, reconfigurados e propagados. Quando colocamos nossos vieses interpretativos à frente no momento de analisar eventos, gestos ou discursos, não estamos reforçando nossas crenças preexistentes. Estamos, muitas vezes, impedindo o debate genuíno. A complexidade dos fenômenos sociais é reduzida a simplificações que, em última instância, servem mais para validar nossas percepções do que para enxergar a realidade de modo mais apurado.
Essa dinâmica reflete, inclusive, uma "forçação de barra" frequente em certos grupos: líderes ou ideias são alçados ao status de infalíveis, enquanto opositores são desqualificados de maneira sumária. O discurso, ou melhor, a interpretação dele, passa a ser menos um espaço de argumentação e mais uma arena de reafirmação de narrativas. Como em um teatro mal ensaiado, as falas e os gestos dos atores pouco importam. O público já decidiu qual será a conclusão antes mesmo do espetáculo começar.
Ao adotar essa postura, há um impacto evidente: o empobrecimento do debate. Ideias deixam de ser confrontadas com argumentos e passam a ser defendidas ou atacadas entre as fileiras das torcidas que, no fundo, subestimam a inteligência alheia. Acreditar que todos, além de "nós", foram manipulados por líderes, pelas redes sociais ou pela mídia é perpetuar a perigosa ideia de que existe apenas uma leitura legítima - a nossa. Nesse jogo de apropriação do discurso, perde-se a possibilidade do diálogo de verdade.
O maior desafio, portanto, está em reconhecer nossos próprios vieses. É preciso admitir que todos enxergamos a realidade através de filtros subjetivos moldados por experiências, valores e, sim, interesses. No entanto, admitir essa fragmentação não significa se entregar ao relativismo, mas estar disposto a questionar até mesmo aquilo que nos parece óbvio. É no espaço entre a certeza absoluta e a dúvida produtiva que mora a chance de convergência.
Quando reavaliamos nossas certezas e investigamos as entrelinhas, substituímos a pressa de julgar pela curiosidade de entender. Essa postura não enfraquece nossa luta por ideais, mas fortalece a busca por soluções que, em muitas ocasiões, passam pela escuta e pelo esforço de compreender perspectivas distintas. Não se trata de ceder à retórica do outro, mas de assumir que a multiplicidade de interpretações é, em si, um convite ao crescimento.
Diante de uma sociedade fragilizada por excessos ideológicos, é tentador alinhar-se aos extremos. É mais difícil, e mais ousado, encontrar caminhos que unam histórias. A disputa pelo discurso nunca será solucionada pela simples imposição de uma visão única, mas pelo exercício contínuo da ponderação e da dúvida crítica. É justamente esta capacidade de questionar, refletir e dialogar que define o futuro de uma sociedade que se pretende democrática.
O que está em jogo não é apenas a reafirmação de nossas convicções, mas a possibilidade de transformar discordâncias em aprendizado.

Comentários