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O bônus que fragiliza a obrigação

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou um Projeto de Lei que prevê a concessão de bônus de até R$ 1.000 aos Guardas Civis Metropolitanos que participarem da recuperação de motos roubadas, furtadas ou adulteradas. O texto ainda depende de sanção do prefeito Ricardo Nunes, mas já abre espaço para uma reflexão mais profunda: quando aquilo que deveria ser obrigação se transforma em estímulo financeiro, corremos o risco de desvirtuar o próprio sentido da função pública.


Não se trata aqui de contestar a valorização financeira da atividade policial. Pelo contrário: em uma cidade marcada pela violência e por indicadores alarmantes (apenas no primeiro trimestre foram mais de 5.200 veículos roubados) é inegável que PM, GCM e Civil merecem melhores salários, benefícios dignos, formação continuada e infraestrutura tecnológica de ponta. O ponto crítico, no entanto, está na lógica de atrelar o cumprimento de uma obrigação legal a um bônus de desempenho.


No universo corporativo, bônus é entendido como um prêmio, um reconhecimento adicional por metas superadas, inovações implementadas ou resultados que excedem o esperado. É a recompensa que se soma à entrega básica, nunca a própria entrega. Ao transpor esse conceito para a segurança pública, estamos sinalizando que proteger a população, missão primeira desses profissionais, não basta. É preciso criar um estímulo monetário extra para que seja cumprida. Essa distorção, embora bem-intencionada, fragiliza o próprio pacto social que confere autoridade e legitimidade à atuação policial.


Se os cálculos estimam a recuperação de 50 motos por mês com o incentivo, isso é positivo, mas também revela a assimetria diante da realidade: milhares de veículos são subtraídos todos os anos. O que precisamos não é de uma “loteria de bônus”, mas de políticas de valorização estrutural, salários mais justos e investimento robusto em inteligência e tecnologia, de forma que a recuperação de veículos seja consequência natural de um sistema fortalecido, não fruto de uma premiação eventual.


É preciso, portanto, que o debate sobre segurança pública vá além da contabilidade do orçamento ou da criação de estímulos pontuais. Valorizar a GCM e demais forças policiais é imperativo, mas fazê-lo por meio de bônus para atividades que já são sua obrigação pode, a médio prazo, enfraquecer tanto a lógica da função pública quanto a confiança da sociedade em suas instituições. Reconhecimento é necessário, mas ele deve vir de forma estruturada, transparente e perene. Não de medidas emergenciais que, ao invés de resolver, apenas deslocam o problema.


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