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Independência sem liberdade

Desde o fim do Império, carrego um paradoxo que me acompanha como sombra: conquistei a independência política, mas ainda luto para exercê-la plenamente. A liberdade que celebro é, em grande medida, formal. A independência, incompleta. Minha história republicana revela que a alternância civilizada de poder, que deveria ser a prova maior da maturidade democrática, permanece um objetivo não plenamente alcançado. Nunca consegui, ao longo de mais de um século, concluir quatro sucessivas trocas de presidentes civis pelo voto direto, sem interrupções traumáticas.

Minhas rupturas falam por si. Getúlio Vargas não terminou seu último mandato, sendo pressionado a escolher a morte em 1954 como gesto extremo. Juscelino Kubitschek, eleito em 1955, enfrentou intensa resistência, mas concluiu seu governo. No entanto, João Goulart foi derrubado em 1964, dando início a um período sem eleições diretas. Na redemocratização, Tancredo Neves venceu, mas morreu antes da posse, e José Sarney assumiu em seu lugar. Mais tarde, Fernando Collor, primeiro presidente eleito pelo voto direto após anos de regime militar, foi afastado por impeachment em 1992. Dilma Rousseff enfrentou um destino semelhante em 2016. Em todos esses episódios, mostrei minha fragilidade. O processo eleitoral, por si só, não garantiu a estabilidade institucional necessária.

Por outro lado, não posso ignorar os avanços que nos trouxeram até aqui. Desde a redemocratização, as eleições diretas se mantiveram regulares, e mesmo os episódios de impeachment – independentemente das opiniões sobre sua legitimação – ocorreram dentro da ordem constitucional. Em comparação a outras nações que compartilhavam condições históricas similares, há evidências de crescimento democrático. No entanto, a sombra da instabilidade persiste, revelando um desafio estrutural que não é exclusivamente episódico.

O resultado é que olho para minha independência com desconfiança. Ser independente não significou ainda consolidar estabilidade política e institucional. Em vez de projetar um horizonte de previsibilidade, convivi com crises frequentes, como se estivesse sempre à beira de um novo colapso. Governos de esquerda e de direita, cada qual com seus programas e intenções, percorreram a mesma estrada sinuosa de um Congresso muitas vezes guiado mais por agendas partidárias, circunstanciais ou ideológicas do que pelo meu verdadeiro bem. Ainda assim, é importante reconhecer que, em momentos específicos, houve avanços relevantes, fruto de diálogos e pactos mínimos que garantiram conquistas importantes, como a estabilização econômica dos anos 1990 e algumas reformas estruturais.

Talvez meu desafio central esteja menos na figura do presidente e mais na relação entre Executivo e Legislativo. Governar não é, e nunca será, um ato solitário. Sem um Congresso que compreenda a urgência de representar o país em sua totalidade e sem presidentes que saibam dialogar com essa realidade complexa, minha independência vira uma celebração vazia: um ritual anual de patriotismo que não se traduz em capacidade de liderança coletiva. Ainda que o presidencialismo dê grande protagonismo ao Executivo, sua força depende tanto de sua habilidade de articulação quanto da disposição do Legislativo em priorizar o interesse nacional.

Neste Dia da Independência, a pergunta que me atravessa ecoa em meus filhos desde o nascimento da República: de que vale ser independente se ainda não sei liderar meu próprio destino? Talvez seja tempo de ressignificar o sentido dessa palavra, enxergando a liberdade menos como uma comemoração estática e mais como um projeto contínuo de coesão nacional. Presidentes precisam aprender a governar com diálogo, e o Congresso precisa enxergar no interesse nacional uma prioridade mais forte do que agendas pessoais, partidárias ou circunstanciais. Sem isso, minhas celebrações de independência continuarão a ser um reflexo de sua incompletude.


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