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Espelhos

Há algo de fascinante, e inquietante, na maneira como escolhemos aparecer. Não como somos, mas como desejamos ser vistos. O jogador ostenta seu carro de oito milhões como se não fosse apenas um bem, mas uma extensão cromada do seu valor pessoal. A artista, em meio a revelações, fala de si com o desejo de quem acredita que cada traço de sua intimidade pode ser notícia. Ou deveria ser.


Nossos tempos são de confissão e performance. O gesto de mostrar-se, antes espontâneo ou reservado, tornou-se curadoria contínua. Não por acaso, há uma inflação de narrativas em primeira pessoa. Relatos que se apresentam como inspiração, mas que, às vezes, carregam outra camada: a necessidade de reafirmar um lugar de sucesso, equilíbrio e virtude. Em muitos casos, o gesto não parece ser o de dividir experiências, mas o de fortalecer uma imagem pública. Porque sim, reputação exige manutenção constante, mas há diferenças entre presença estratégica e presença compulsiva. Uma constrói valor. A outra, apenas cansa.


No fundo, há um impulso tão antigo quanto humano: ser reconhecido. O ego, aquele mesmo que Freud descreveu como mediador entre os impulsos e o mundo, parece ter perdido o senso de negociação. Tornou-se promotor de eventos, curador de momentos, designer de versões idealizadas de si. A motivação narcísica nos instiga a existir no olhar do outro. O problema é que o seu excesso transforma o outro em mero espectador.


Esse movimento não é novo, mas foi potencializado por uma engrenagem cultural e tecnológica que exige que cada um demonstre, o tempo todo, sua própria felicidade, sua eficiência, sua saúde emocional. A civilização do espetáculo individual, onde a autoestima não apenas se busca, mas se exibe como medalha, virou norma. Quem não entra nesse jogo parece estar fora do mundo. Parece não haver espaço para o erro, para a dúvida, para a travessia silenciosa.


Mas por que esse impulso tão intenso de se mostrar? Insegurança? Vaidade? Carência? Ou seria, paradoxalmente, um grito de força, um gesto de resistência contra o anonimato, num mundo que não para de valorizar quem aparece mais?


O único risco é transformar o amor por si em aprisionamento em si. Uma prisão dourada, mas ainda assim uma cela. O mais curioso é que há beleza, também, nesse desejo de mostrar. Em doses certas, a vaidade é vital. Ela organiza, projeta, protege. Nenhum de nós quer passar despercebido. Nenhum de nós quer ser irrelevante. O risco está na overdose e no olhar cada vez mais difuso sobre o que, de fato, merece registro. Porque a necessidade de parecer bem-sucedido às vezes se confunde com a coragem de simplesmente ser.


Estamos todos nos equilibrando nessa corda bamba entre autenticidade e performance. Alguns caem. Outros seguem ensaiando passos seguros diante da plateia invisível. E há, claro, aqueles que fazem da própria vida um espetáculo contínuo, torcendo para que os aplausos durem um pouco mais. Nem que sejam curtidas.

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