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Direita, esquerda, volver.

Houve um tempo em que a retórica inflamável, quase caricata, vinha de pequenos países mergulhados em revoluções intermináveis ou de repúblicas que a geopolítica tratava com certo desdém, chamando-as de “bananeiras”. Eram bravatas que o mundo aprendia a relativizar. Não mais. Hoje, a confusão global nasce de onde menos se espera: centros de poder consolidados, nações que antes ditavam protocolos de civilidade, agora entregues a líderes com dedo inquieto sobre botões capazes de acionar o impensável.


A cena revela um palco onde ideologias se misturam e se distorcem. Aquele cidadão inclinado à esquerda, por vezes, tem razão. O mais à direita, em algum ponto perdido da narrativa, parece estar certo também. Até aqueles que se dizem “de centro”, sentados na arquibancada, torcendo para que o mundo se torne um pouco mais justo e pacífico, acabam sugados pela polarização. Nesse vórtice, a verdade se torna refém de perspectivas fragmentadas.


Pergunto-me se não seria melhor evitar qualquer um dos lados, preferindo ir em frente, mas o caminho parece bloqueado por forças que não têm interesse algum no avanço coletivo. Direita e esquerda, cada qual a seu modo, parecem unidas por um único objetivo: a perpetuidade. Não pelo ideal, pela ética ou pelo senso de justiça, mas pela estrutura de privilégios que o poder entrega. O mapa-múndi, que antes parecia um tabuleiro de xadrez, hoje mais se assemelha a uma rede de interesses pessoais, alianças de ocasião e amizades negociadas à mesa de jantar.


O mais cruel é que somos convidados a participar do contexto. Ora como torcedores apaixonados de uma ideologia, ora como inocentes úteis em um jogo que não controla fronteiras, economias ou vidas. A humanidade pós-contemporânea carregará consigo uma vocação de fracasso quando tratar de construir respeito, ponderação, justiça e igualdade. Hoje mesmo já é possível ver fundamentos tornarem-se exceções.


Nesse cenário, é urgente resgatar o senso crítico e o distanciamento emocional das narrativas impostas. Precisamos de coragem para admitir que talvez não exista razão plena em ninguém. Precisamos de humildade para recusar a lógica da divisão que nos seduz a cada ciclo eleitoral ou conflito geopolítico. E precisamos, sobretudo, de ética para lembrar que, enquanto disputam o mundo como se fosse um troféu, há vidas sendo soterradas sob os escombros de decisões tomadas a portas fechadas.


Nem direita. Nem esquerda. Avançar só será possível quando os valores humanos voltarem a ser mais importantes que os interesses de Estado, de partidos ou de ideologias que aprisionam. Até lá, seguimos entre ecos de discursos que nos empurram para um eterno “volver”, presos a uma coreografia política onde quem deveria guiar o compasso perdeu há tempos a noção de harmonia.

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