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Curto-circuito na sinapse

Às vezes me pergunto, inquieto, por que algumas pessoas, empresas ou instituições insistem em escolher o pior caminho. Não me refiro aqui àquele tipo de decisão difícil, que exige optar pelo menos ruim, porque o outro lado seria catastrófico. Isso, sejamos justos, faz parte da arte de decidir, e quem já esteve sentado em cadeiras de liderança, de gestão pública ou privada, sabe exatamente do que estou falando.

A apreensão nasce de outro lugar. Ela vem da dificuldade, quase crônica, de se planejar o óbvio. De observar o contexto. De entender o impacto da própria ação no ecossistema que nos cerca. E, consequentemente, nasce do desconforto de perceber que, em muitos momentos, a sinapse simplesmente não se completa, porque faltou raciocínio, reflexão, senso coletivo.

Vamos ao caso. A rua da escola de meus filhos possui duas faixas de rodagem. Duas. E uma delas, todas as manhãs, naturalmente se destina ao desembarque das crianças. Pois bem. No penúltimo dia útil do semestre, alguém, com algum poder de decisão e, espero, boa intenção, decide abrir um buraco monumental exatamente na faixa lateral ao desembarque. Imagino que para reparar algo importante, talvez essencial. Só que, enquanto a retroescavadeira cava sua solução, a cidade cava seu próprio caos. Pais aflitos, buzinas, crianças ansiosas por uma prova, profissionais pressionados pelo horário. 

E a pergunta, que grita, é inevitável: não dava para esperar até segunda-feira, quando as férias iriam começar e o fluxo seria, sabidamente, muito menor?

Não me posiciono aqui em causa própria. Levo o meu filho a pé e, se preciso sair de casa para um lugar mais longe, vou de moto. Falo pela coletividade. Pelo olhar preocupado dos que estavam ali. Pela incapacidade que, por alguma razão, ainda resiste em ser tratada como prioridade: planejar considerando o outro. Entender o entorno. Fazer a sinapse, essa mágica biológica que, no mundo da gestão, se traduz em sensibilidade, conexão, empatia e inteligência operacional.

O exemplo parece trivial? Não é. É estrutural. Multiplique esse mesmo raciocínio pelas decisões de manutenção das concessionárias de energia, de gás, de telefonia, de água. É o poste trocado às 17 horas de uma sexta-feira. É o conserto do semáforo às 7 da manhã, na principal via de acesso ao centro. É a poda de árvore em dia de pagamento. E, no mundo corporativo, é a atualização do sistema feita no meio da Black Friday. É o ERP que entra em migração na semana de fechamento contábil. É a campanha publicitária que vai ao ar sem o devido alinhamento com a central de atendimento. É o discurso institucional que não conversa com a realidade interna. É o produto lançado sem treinamento adequado para a força de vendas. O que é isso, senão sinapse que não aconteceu?

Grandes consultorias de gestão, como McKinsey e Bain, são categóricas: a falha no planejamento operacional não é apenas um problema técnico, é um problema cultural. E, muitas vezes, nasce da miopia organizacional que separa silos, que não promove conversas horizontais, que não pratica governança situacional. Dados da PwC mostram que projetos mal planejados custam, em média, 30% a mais e sofrem até 50% mais atrasos. E os impactos são exponenciais, na reputação, na experiência do cliente, na produtividade e, claro, no resultado financeiro.

O que fazer, então? A resposta é menos complexa do que parece, embora exija disciplina e intenção.

Primeiro: fazer perguntas óbvias, que estranhamente são negligenciadas. Qual é o melhor dia? Qual é o impacto no entorno? Quem será afetado? Existem janelas de menor impacto? Há stakeholders que precisam ser informados antes? 

Segundo: ativar o que no mundo corporativo chamamos de governança de senso comum, mas que, paradoxalmente, nem sempre é tão comum assim. Isso significa integrar áreas, conversar com quem opera na ponta, ouvir o cliente, mapear cenários e testar hipóteses. 

Terceiro: praticar inteligência situacional. Os que entendem do assunto definem isso como “a capacidade de ajustar decisões, processos e comunicações ao contexto real, e não ao plano teórico que foi desenhado em sala de reunião”. Aqui, a sinapse é literal: conectar o cérebro ao ambiente. 

E, por fim, colocar empatia na equação da gestão. Não é possível pensar processos sem pensar pessoas. Não é possível planejar sem compreender que do outro lado há alguém, um ser humano, com tempo, com compromissos, com expectativas e, sobretudo, com direitos legítimos à previsibilidade, à organização e ao respeito. 

Portanto, a reflexão não é contra quem abre o buraco. É contra quem abre o buraco na hora errada, no lugar errado, sem avisar, sem pensar. Porque, no fundo, isso é apenas sintoma de algo maior: quando falta o pensamento, o colapso deixa de ser exceção e passa a ser regra. E cá entre nós, não falta tecnologia, não faltam metodologias, não faltam ferramentas. Falta, sim, uma competência que deveria ser a mais abundante de todas: a capacidade de pensar antes de agir.


 
 
 

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