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Comemorando um gol contra

Há imagens que doem mais do que parecem. A comemoração de deputados na Câmara, ao derrubarem a Medida Provisória 1303/25, que buscava corrigir distorções no sistema tributário, é uma dessas. Não pelo mérito da proposta, discutível como tantas, mas pelo que a cena revelou. Gritos, abraços, palmas. Como se um gol tivesse sido marcado. Mas o campo, ali, era o Brasil. E a vitória, se é que houve, foi de um time que parece ter esquecido que joga pelo mesmo país.


O Parlamento é o espaço natural das divergências. E que bom que seja. É ali que a democracia se manifesta em sua essência, com vozes que se contrapõem, projetos que se enfrentam, convicções que se testam. O que não cabe é a euforia diante da derrota do outro, sobretudo quando o tema toca a desigualdade, essa ferida aberta que o país carrega há séculos. A medida poderia até ter falhas, e provavelmente tinha. Mas o gesto de comemorar a sua rejeição (retirada da pauta por cumprimento de prazo), com a alegria de quem desmoraliza o adversário, não combina com a responsabilidade de quem foi eleito para representar milhões.


Repito. É legítimo discordar. É até necessário. Mas é preciso que o comportamento mude. A política, quando se transforma em torcida, perde o sentido da palavra pública. Porque o que se busca ali não deveria ser a redução do outro, e sim a construção do bem comum. Não há mérito algum em rir da queda alheia. Há, sim, uma perda simbólica. A da dignidade do cargo, a da nobreza do debate e a da empatia que sustenta o convívio civilizado.


Ninguém ignora que o Estado brasileiro gasta demais e gasta mal. Esse é um ponto em que há consenso. Mas uma crítica justa não justifica o espetáculo que se viu. Quando o político festeja a derrota como se fosse troféu, ele esquece que, do outro lado da arquibancada, há cidadãos, não adversários, que pagam o preço da desordem fiscal e da desigualdade que continua intocada.


Talvez o que nos falte, mais do que novas leis, seja um novo tipo de sobriedade. Aquela que entende que o exercício do poder não é campo de revanche, mas de responsabilidade. Que a verdadeira vitória, em política, não é fazer o outro perder. É fazer o país ganhar. Porque, no fim desse jogo, quando o gol é contra, todos perdemos.


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