A travessia do tempo
- Luis Alcubierre
- 27 de jun.
- 2 min de leitura
Vivemos um paradoxo silencioso e, muitas vezes, cruel. De um lado, a busca legítima por longevidade, saúde e vitalidade. Do outro, uma corrida desenfreada, quase desesperada, contra o relógio biológico, como se o simples ato de envelhecer fosse, em si, um fracasso pessoal. O corpo envelhece, sim. E ele faz isso no ritmo certo, na cadência natural da vida. Cedo ou tarde, ele nos dirá, às vezes com gentileza, às vezes com firmeza, que não seremos mais capazes de fazer certas coisas. E tudo bem. Isso não é um castigo. É apenas a vida sendo vida.
É curioso, e também profundamente revelador, observar como essa lógica, muitas vezes cruel, se instalou na nossa cultura. Como se a passagem do tempo precisasse ser disfarçada, suavizada, escondida. Como se as rugas, os cabelos brancos e as marcas do tempo fossem sinais de fracasso, e não testemunhos de uma vida bem vivida. A juventude eterna virou uma obsessão, uma fantasia vendida em frascos, procedimentos e promessas que, no fundo, não passam de ilusões embaladas com laços dourados.
Não há absolutamente nada de errado em querer saúde, vitalidade e disposição. Pelo contrário, isso é essencial. A boa alimentação, o exercício regular, o descanso adequado e a mente ativa são investimentos preciosos em qualquer idade. Mas há uma linha tênue, e muitas vezes invisível, entre o autocuidado que preserva a dignidade e a obsessão que nega a própria existência. A juventude eterna não é uma promessa, é uma ilusão. E quando transformamos o envelhecimento em inimigo, nos desconectamos da beleza mais rara que a vida pode oferecer: a sabedoria de quem já percorreu longos caminhos.
A terceira idade não é um epílogo. É, para quem sabe viver, um novo capítulo, mais maduro, potente, cheio de possibilidades. E o tempo não é vilão. Ele não precisa ser combatido. Ele é mestre, é guia, é companhia. E talvez a maior prova de inteligência emocional, de maturidade e de amor-próprio seja entender que não estamos aqui para vencê-lo. Estamos aqui para atravessá-lo. E, se tivermos sorte, essa travessia será feita com a dignidade de quem entendeu que a beleza da vida não está em parecer eterno, mas em ser inteiro. Em qualquer idade.
Publicado originalmente pela Aged Free World

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