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A sofrível crônica esportiva

Há uma frase consagrada que sintetiza, com precisão, a relação emocional que a humanidade estabeleceu com o esporte da bola no pé: “O futebol, das coisas menos importantes, é a mais importante.” Não se sabe exatamente quem a cunhou. Muitos atribuem ao lendário técnico italiano Arrigo Sacchi. Outros, ao papa João Paulo II, que tanto valorizava o esporte como instrumento de comunhão social. Não importa. O que realmente importa é a potência dessa sentença. Ela diz mais sobre nós do que o próprio jogo.


E talvez por isso, a crônica esportiva sempre foi mais do que falar de futebol. Armando Nogueira, João Saldanha, Nelson Rodrigues e Orlando Duarte foram alguns dos mestres que fizeram jornalismo esportivo de alto nível, não torcida disfarçada, como hoje em dia. Esses profissionais, cada qual à sua maneira, conseguiam equilibrar a emoção com rigor, a paixão com análise, o encantamento com crítica justa. Eram cronistas e, acima de tudo, intérpretes de um jogo que transcende o campo.


Mas o jogo mudou. Quando o futebol deixou de ser, prioritariamente, um esporte, para se converter, definitivamente, em um negócio global, multimilionário, movido a cifras, marketing e plataformas digitais, a cobertura também se deslocou. Não se trata apenas das mídias tradicionais tentando sobreviver. O digital, com seus fluxos instantâneos famintos por engajamento, suas bolhas de audiência e seus influenciadores improvisados em analistas, redesenhou o ambiente.


O exemplo recente é didático. Antes de Flamengo x Bayern, pela Copa do Mundo de Clubes, vendia-se otimismo. O Flamengo, sim, tinha seus méritos: elenco forte, um técnico qualificado, Felipe Luís, inteligente e competente. Mas terminou o jogo, derrota por 4 a 2, e os mesmos analistas trocaram otimismo por caça às bruxas, como se o fracasso fosse só do Flamengo, ignorando algo óbvio: o mérito do adversário. 


Aliás, talvez o melhor resumo tenha vindo do próprio Felipe Luís: “Bayern é melhor. Simples assim.” Mas, claro, dizer isso encerra o debate cedo demais. É mais lucrativo enrolar, criar pauta, gerar polêmica e atender à fome insaciável da audiência e do algoritmo.


Só que nessa sanha, o jornalismo perde; o público perde; o esporte perde. Analisar não é jogar para a torcida. É jogar para a realidade. E talvez seja hora de refletir se essa lógica da gritaria, da superficialidade, da indignação sob demanda, da desqualificação do adversário, não está contaminando também o debate público, a política, a economia, a própria vida.


A crônica esportiva não precisa ser sofrível. Precisa, sim, voltar a ser relevante.


 
 
 

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