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A saga de um rubro-negro e o urubu highlander: Umatragédia carioca em solo paulista

CRÔNICA

Meu caro leitor, há mistérios que a razão não alcança, abismos que a lógica

recusa. E há o futebol, essa paixão visceral que move montanhas e, por vezes,

arrasta urubus. André, um flamenguista de São Paulo, um desses mártires da

distância que sangram rubro-negro a cada mês, vivia o drama de amar um time

que mal via. Um sócio-torcedor, sim, um devoto que despejava sua alma (e seu

dinheiro) no altar do Mário Filho, esperando, quem sabe, um milagre.

E o milagre veio, ou assim parecia. A peregrinação. Tanque cheio, alma em brasa,

o carro rasgando o asfalto rumo ao Rio. Não era uma viagem, era um rito de

passagem. A praia, o sol, a promessa do Maraca no domingo. Ah, o Maraca! Onde

a paixão se torna histeria, onde o homem se desnuda em sua mais pura e

selvagem devoção. Que pena que acabaram com a geral!

Mas o destino, meu caro, o destino é um sádico. Na volta, na Avenida Brasil, essa

artéria pulsante de misérias e glórias, eis que surge o presságio. Uma revoada de

urubus, o símbolo, o totem, a alma do Flamengo, irrompe na pista. Um barulho,

um susto, um pressentimento. André, com a camisa do clube colada ao corpo, riu.

Riu, o pobre coitado, sem saber que o riso era a máscara da tragédia iminente.

Seguiu viagem, o tolo, ignorando o aviso dos deuses.

Horas depois, durante uma parada estratégica para o xixi e a fome, a descoberta

veio: asas abertas, corpo oculto, o urubu lá estava, entre o motor e a lataria. André

decidiu que resolveria o problema ao chegar em São Paulo.

Chegou a São Paulo, noite de domingo, dia de ressaca moral e de tudo fechado.

Mas o destino, repito, é implacável. Uma oficina no Bixiga, um oásis da desgraça.

André, ainda com o manto sagrado, viu o mecânico arregalar os olhos e

perguntou: "Vai dar pra enterrar?", já pensando no ritual fúnebre. E o mecânico,

meu caro, o mecânico, com a voz embargada pelo espanto, soltou a frase que

ecoaria nos anais da bizarrice: "Senhor, o bicho tá vivo!".

Vivo! O urubu, o Julião! Sim, virou Julião no caminho, o highlander da baixada

fluminense! Cinco horas entre o inferno do motor e o vendaval da estrada, e o

bicho, esse demônio emplumado, resistiu. Uma asa quebrada, sim, mas a vida, a

vida teimosa, grotesca, pulsando. Chamaram a Divisão de Fauna, a burocracia

tentando domar o inexplicável.

André voltou para casa. Não com a glória de uma vitória qualquer, mas com a

marca indelével do absurdo. Uma história que não era de futebol, mas da vida. Da

vida que insiste em nos surpreender com o improvável, com o bicho que se recusa

a morrer, com a paixão que nos leva aos limites da sanidade. Uma crônica, sim,

mas também um epitáfio para a lógica, um hino à loucura que nos habita.



 
 
 

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