A malandragem nos define?
- Luis Alcubierre
- 3 de out.
- 2 min de leitura
Mais uma vez o Brasil é manchete por um episódio que não deveria sequer existir. A apreensão de bebidas adulteradas com metanol escancarou a fragilidade de um país que ainda tolera a fraude como se fosse parte da sua identidade. O que está em jogo não é só o desrespeito à lei ou à concorrência leal. O que está em jogo é a vida das pessoas, colocada em risco por quem transforma malandragem em negócio ou impunidade em crime organizado.
Fraudar bebidas é mais um capítulo em uma longa tradição nacional de maquiar, trapacear e ganhar vantagem a qualquer custo. Do golpe pequeno ao escândalo bilionário, da falsificação do bilhete único à corrupção sistêmica, a ideia do “se colar, colou” parece atravessar gerações.
Mas de onde vem essa cultura? Talvez possamos encontrar raízes ainda no período colonial, quando o contrabando de ouro e açúcar para fugir dos tributos da Coroa portuguesa era prática corrente. Ou quando o clientelismo da política imperial foi se consolidando na base da troca de favores. Com o tempo, o jeitinho brasileiro deixou de ser apenas um recurso criativo de sobrevivência diante de burocracias e desigualdades e passou a ganhar corpo como um atalho moralmente aceito, mesmo quando custava caro à coletividade.
É claro que não estamos sozinhos nesse problema. Diversos países da América Latina, da África e até do sul da Europa carregam histórias parecidas, onde gambiarra, fraude e corrupção foram normalizados em diferentes momentos. México, Argentina e Itália, por exemplo, enfrentaram, e ainda enfrentam, escândalos sistêmicos que corroem a confiança institucional. O que diferencia um país do outro é o quanto cada um consegue criar mecanismos de controle, de fiscalização e, sobretudo, de punição.
Há sociedades que, ao longo do tempo, conseguiram transformar essa cultura em exceção. Outras, como a nossa, ainda lutam para que a exceção não continue sendo a regra.
Hoje, convivemos com uma naturalização perigosa. A fraude passou a ser interpretada, em muitos ambientes, como “esperteza”. O empresário que adultera combustível, o fornecedor que corta insumos, o político que desvia verbas, o cidadão que fura fila. Todos fazem parte de uma engrenagem que mina a confiança e impede o Brasil de se tornar um país sério.
O que falta, então? Leis? Elas existem e são muitas. Falta cultura de consequência. Falta punição exemplar. Falta educação ética desde a infância, para que novas gerações compreendam que privilégio não é direito adquirido e que corrupção não é estratégia de sobrevivência. Falta que o Estado seja coerente e que a sociedade deixe de romantizar o malandro que engana, trapaceia e ainda é aplaudido.
Enquanto o Brasil não encarar a fraude como aquilo que ela é, ou seja, crime e não folclore, continuaremos a pagar um preço altíssimo em confiança, desenvolvimento e vidas humanas.
Definitivamente não há país sério com uma cultura que banaliza a trapaça. A fraude não é identidade cultural. É atraso.

Comentários