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A arte oculta da ameaça

O silêncio que antecede o estrondo nem sempre é ausência, é aviso. Retóricas que ferem, comportamentos inusuais que chocam, ameaças explícitas que intimidam, tudo faz parte de uma coreografia de poder que cresce, se repete e põe em risco a democracia como a conhecemos. Estamos diante de sinais. Quando chefes de instituições usam de intimidação para silenciar vozes críticas, quando o discurso oficial transforma adversários em inimigos internos e quando os aparelhos estatais se dobram diante de ordens acima da lei. Esses não são episódios isolados, mas fragmentos de uma narrativa autoritária que se espalha em várias latitudes, inclusive em países antes considerados imunes a esse risco.


Especialistas em ciência política já identificaram como a polarização afetiva (quando não se trata apenas de divergência ideológica, mas da desumanização do outro), torna-se terreno fértil para a violência política. Barbara Walter, professora de Ciência Política da Universidade da California, e referência em estudos de guerras civis, alerta para economias estagnadas, desigualdades persistentes e instituições enfraquecidas como gatilhos da escalada de conflito interno. Por sua vez, o sociólogo Larry J. Diamond, do Instituto Freeman Spogli, em Stanford, destaca que a democracia depende não só de eleições, mas da integridade do Judiciário, de uma imprensa livre e da confiança pública, todos sob ataques sutis, às vezes nem tanto, nos dias de hoje. Ambos veem um fenômeno global como tendência que avança.


Há um paralelo inquietante com a década que precedeu a Segunda Grande Guerra. Naqueles anos, discursos populistas subestimavam adversários, atacavam mídia e partidos de oposição, criavam inimigos internos, promoviam leis de exceção e corroíam controles institucionais. O que parecia gradual e legal foi, na verdade, devastador. Instituições democráticas, sob pressão econômica e social, foram sendo corroídas por dentro, enquanto a retórica do medo se tornava norma. Hoje, não se trata apenas de tiranias clássicas, mas de regimes híbridos: eleições mantidas, formalidades observadas, mas liberdades condicionadas, vozes críticas silenciadas e uma verdade moldada conforme conveniências de poder.


As técnicas de comunicação são o núcleo dessa engrenagem. A escolha de palavras calculadas, a repetição de slogans emocionais, a criação de narrativas de medo, a amplificação de boatos e a dramatização de crises não são improvisos. São estratégias de manipulação, testadas para fragilizar instituições, deslegitimar a imprensa, criar pânico e dividir a sociedade. Cada frase, cada ameaça velada, cada campanha coordenada nas redes é um golpe que atinge a confiança pública e desloca a fronteira do aceitável.


O risco real está na ação que nasce do discurso. Ameaças explícitas de regulação ou punição para meios de comunicação, intimidação legal ou extralegal de opositores, uso político de tragédias para mobilizar apoio e acusar adversários. São golpes com palavras cujas consequências ultrapassam o ar. Institucionalizam a intolerância, queimam a confiança, fragmentam o tecido social. A resposta, como a história ensina, depende da resiliência institucional, da reação cívica, do judiciário que não se dobra e de uma sociedade que se recusa a silenciar. Vigilância não é passividade, é compromisso ético com o que a democracia significa quando ela funciona para todos.


E esse compromisso se materializa de modo supremo no voto consciente. É nele que reside a defesa final da liberdade, quando cada cidadão entende que escolher representantes não é simples ato formal, mas um pacto com o futuro. A depender de pessoas ingênuas ou excessivamente calculistas, o mundo pode transformar o que um dia foi liberdade em uma sensação de prisão perpétua. Exercer o voto com lucidez e responsabilidade é o antídoto contra o enredo da ameaça e o gesto mais poderoso para manter viva a promessa de um amanhã plural e livre.


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