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Uma carreira de sorte

Nunca acreditei que a sorte substitui o talento. Mas sempre reconheci que, sem ela, o talento caminha mais devagar. No meu caso, a sorte não foi atalho nem muleta. Foi companhia constante. Às vezes discreta, às vezes escancarada. Desde cedo, tive a sensação de viver algo muito próximo do personagem Forrest Gump: eu apenas seguia em frente, fazendo o melhor possível, e quando percebia estava testemunhando, e participando, do melhor de cada fase, no lugar certo, na hora certa.

Comecei no rádio quando o rádio ainda era rei. Audiência robusta, relevância social, dinheiro circulando, gravadoras fortes, anunciantes presentes. Era um ambiente vivo, barulhento, competitivo e generoso para quem queria aprender Comunicação na prática, sem filtros e sem romantização. Ali aprendi o valor da mensagem direta, da linguagem acessível, do timing. Comunicação como serviço, não como vaidade.

O salto seguinte me levou ao mundo corporativo, e logo à indústria química, talvez o maior berço da Comunicação Corporativa no Brasil, que ganhou outros ares nos anos 80 e início dos 90. Um ambiente disciplinado, técnico, exigente. Governança antes de virar buzzword. Estratégia antes de virar slide. Ali se aprendia que reputação não se improvisa e que comunicação não é acessório, é ativo crítico. Foi uma escola dura e sofisticada, daquelas que moldam caráter profissional.

Depois veio a aventura empreendedora. O início do design digital coincidindo com o começo do fim da comunicação impressa em larga escala. Um período de transição fascinante e confuso. Enquanto o futuro surgia na tela do computador, o presente ainda rodava em gráficas, entre DPIs, LPIs e provas de cor. Aprendi com o passado enquanto tentava decifrar o que viria. Erramos, acertamos, insistimos. Empreender ensina rápido e cobra caro.

Ainda jovem, migrei para um setor que praticamente nascia diante dos nossos olhos: o dos adquirentes. O Plano Real havia trazido estabilidade, os cartões de crédito e débito cresciam de forma exponencial, os sites floresciam, o e-commerce dava seus primeiros passos. A Comunicação vivia um momento luminoso, com uma Editora Abril pujante, o surgimento do Valor Econômico e embora a Gazeta Mercantil já desse sinais de esgotamento, ainda era relevante. Minha carreira parecia subir em “match 3”. Mas nem tudo são vitórias lineares. Cometi um erro relevante, daqueles que exigem pausa, humildade e reconstrução. Um ano sabático não foi fuga, foi correção de rota. Voltei mais maduro, mais preparado e, sobretudo, mais consciente.


O passo seguinte me levou a outro setor recém-criado pela história: telecomunicações e grandes contact centers, fruto da privatização do sistema Telebras. Foram dez anos de crescimento a dois dígitos, intensidade máxima, aprendizado contínuo. A experiência culminou em uma expatriação, que ampliou repertório, visão de mundo e entendimento cultural, ativos intangíveis que só o tempo entrega.

De volta ao Brasil, encontrei um país grudado no celular. O acaso me levou para uma das maiores fabricantes de aparelhos do mundo e vivi algo raro. Enquanto estava lá, pela primeira vez a marca superava a Apple em vendas no país e na América Latina. Produto, marca, distribuição, narrativa, tudo alinhado. Comunicação integrada, com impacto direto no negócio.

E, como se a sorte insistisse em não me abandonar, cheguei ao varejo em sua década de ouro. Um ambiente de complexidade máxima, visibilidade total e risco permanente. Defendi marca em CPI, lidei com pressões políticas, sociais e econômicas. A responsabilidade era enorme, os resultados vieram na mesma proporção. Crescimento acelerado, influência real na economia nacional até 2016. Comunicação como escudo, ponte e alavanca.

Para fechar esse ciclo, nada mais simbólico do que uma marca icônica do setor de alimentos, no exato momento em que incorporava uma gigantesca indústria do Sul do país. Integração cultural, narrativa institucional, alinhamento de valores. Comunicação no seu estado mais estratégico.

Olhando para trás, é impossível negar: que sorte! Sorte de ter passado por setores decisivos da economia brasileira. Sorte de ter vivido transições históricas. Sorte de ter trabalhado com marcas fortes. Mas, sobretudo, sorte de ter construído experiências com pessoas extraordinariamente competentes. Algumas complexas, desafiadoras, até difíceis. Outras generosas, inspiradoras, formadoras. Líderes inspiradores, pessoas que liderei e que, muitas vezes, me lideraram sem saber.

A todas elas, meu agradecimento eterno. Porque carreira não se constrói sozinho. E sorte, quando aparece, só faz sentido se encontra alguém disposto a trabalhar, aprender e seguir em frente. Como Forrest, sem saber exatamente onde vai dar, mas indo.


ree

 
 
 

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