top of page

Quando o ego tenta pautar a grade

Há momentos em que a indústria cultural é desafiada não por crises externas, mas por reações que revelam um descompasso entre maturidade institucional e percepção individual de poder. O episódio recente envolvendo um cantor sertanejo consagrado, que reagiu publicamente a um evento institucional do SBT, é emblemático desse ruído.


O canal em questão promoveu um encontro estratégico para anunciar um novo projeto, um novo ativo de mídia, algo absolutamente legítimo dentro da lógica empresarial. Ao convidar autoridades públicas, fez o que qualquer organização relevante faz: reconheceu que o ambiente institucional não se constrói por afinidades ideológicas, mas por presença, diálogo e pragmatismo. Autoridades não são escolhidas por crença pessoal, são reconhecidas pelo cargo que ocupam. Esse é um princípio básico da governança democrática e da convivência republicana.


A reação do artista, no entanto, parece ter sido guiada por uma leitura infantil do mundo. Há um equívoco recorrente em trajetórias de enorme sucesso: confundir popularidade com unanimidade moral. Acreditar que milhões de pessoas que consomem uma obra ou um programa necessariamente compartilham das mesmas visões políticas ou ideológicas é um erro estratégico grave. O público é plural, diverso, muitas vezes silencioso e, sobretudo, livre para discordar.


Esse tipo de postura costuma nascer de ambientes herméticos, nos quais o contraditório deixa de circular. Quando isso acontece, cria-se a ilusão de que a própria opinião é uma verdade absoluta, capaz de pautar instituições inteiras. Não é. Nunca foi. Nenhum artista, por mais relevante que seja, é maior do que uma emissora de televisão. E nenhuma carreira, por mais vitoriosa, deveria se sobrepor à estratégia, à história e à responsabilidade institucional de um veículo de comunicação.


Do ponto de vista corporativo, a resposta mais inteligente não é o confronto, nem o discurso inflamado. É a gestão fria, racional e estratégica do ativo. Em alguns casos, educar é possível. Em outros, é preciso aceitar que nem todos querem, ou conseguem, ampliar o olhar. Quando isso acontece, a decisão mais madura pode ser simplesmente retirar o produto de circulação. Colocar “na geladeira”, como se diz no mercado. Cinco, dez anos, o tempo necessário para que as emoções se acomodem e a racionalidade volte à mesa.


Não se trata de punição. Trata-se de governança. Empresas de mídia não podem ser reféns de humores individuais, nem de arroubos emocionais. Precisam preservar sua autoridade simbólica, sua coerência institucional e, principalmente, o respeito ao seu público, que não é massa de manobra nem extensão do pensamento de ninguém.


No fim do dia, o episódio deixa uma lição clara para o ecossistema da comunicação: talento constrói carreiras, mas caráter e visão de mundo sustentam relações duradouras. Quando o ego tenta pautar a grade, quem perde não é a emissora. É quem acredita que o mundo gira ao redor de si.


ree

 
 
 

Comentários


+ Recentes
Arquivo
Busca por Tags
Siga-me
  • LinkedIn Social Icon

© 2015 - 2026 | Luis Alcubierre

  • LinkedIn
bottom of page