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Sem luz, sem rumo

Quando o apagão deixa de ser exceção e passa a fazer parte da rotina, o problema já não é o clima, é a gestão. Em São Paulo, a repetição das crises elétricas expõe limites, responsabilidades e a urgência de decisões estruturais.


O problema da Enel Brasil deixou de ser um episódio pontual para se tornar uma rotina previsível. A cidade voltou a viver ontem o mesmo drama: chuvas, ventos, árvores no chão, bairros inteiros às escuras e uma sensação coletiva de déjà-vu. Poucos dias antes, o cenário já havia sido parecido. E, se recuarmos um pouco mais, encontraremos outros episódios relevantes nos últimos anos. A recorrência não é detalhe técnico. É sintoma de um problema maior.


Quando crises se tornam frequentes, o debate deixa de ser circunstancial e passa a ser institucional. Não se trata mais de culpar São Pedro, nem de reduzir o problema a disputas políticas pontuais. O que está em jogo é a capacidade, ou a incapacidade, de uma concessionária em garantir o mínimo: continuidade e resiliência no fornecimento de energia à maior metrópole da América Latina.


Nesse contexto, chama atenção um movimento raro no ambiente público brasileiro: União, Estado e Município falando a mesma língua. A reunião entre o Ministério de Minas e Energia, o governador de São Paulo e o prefeito da capital simboliza que o tema ultrapassou o campo retórico. Quando diferentes esferas de poder convergem, é sinal de que os indicadores falharam, a paciência institucional se esgotou e o risco reputacional do sistema chegou ao seu nível mais crítico.


O rito para o fim de uma concessão não é simples. Há etapas claras: fiscalização, notificações formais, planos de correção, penalidades, avaliação objetiva de descumprimento contratual e a caducidade. O fato de a Aneel estar no centro dessa análise reforça a gravidade do momento. O tema ultrapassou a ameaça política ou o gesto performático. É governança regulatória em funcionamento.


É legítimo ponderar que a ENEL é um grupo global, com investimentos relevantes no Brasil e presença consolidada em outros mercados. Também é legítimo reconhecer que eventos climáticos extremos se tornaram mais frequentes. O que deixa de ser aceitável é que, diante de crises previsíveis, a resposta continue insuficiente, lenta e mal comunicada. Planejamento existe justamente para lidar com o previsível, inclusive quando ele vem na forma de tempestade.


A falta de energia paralisa o transporte, compromete a saúde, afeta o abastecimento de água, prejudica a economia e impõe riscos concretos à população mais vulnerável. Em São Paulo, cada apagão tem efeito sistêmico e ultrapassa o incômodo doméstico. 


O impacto é urbano, social e econômico. Quando a crise se repete, ela não é mais um acidente. E, nesse ponto, a discussão sobre a concessão deixa de ser ideológica para se tornar técnica, regulatória e, sobretudo, ética. 


Energia elétrica não é um luxo. É um compromisso básico com a cidade que reiteradamente não vem sendo honrado.

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