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Os verdadeiros luxos dos tempos modernos

Vivemos um paradoxo silencioso. Em meio à economia orientada por métricas, produtividade e aceleração contínua, os luxos mais desejados do nosso tempo não são objetos, nem símbolos de status, mas condições intangíveis que se tornaram escassas e, por isso mesmo, valiosas. Carlos Alberto Piazza Timo Iaria, sempre atento aos movimentos da sociedade digital, resume essa nova hierarquia de prioridades com precisão: tempo, silêncio e privacidade. Três ativos que antes pareciam dados, hoje viraram estratégicos para a saúde mental, para a sanidade emocional e para a sustentabilidade dos nossos ciclos profissionais.

O tempo, esse elemento que corre em modo turbo há décadas, deixou de ser uma unidade de calendário para se tornar um marcador de poder pessoal. Ter tempo, hoje, é ter a capacidade de dizer “não”, de priorizar, de organizar a vida a partir do que importa. É uma espécie de governança sobre si mesmo, o antídoto para uma agenda que insiste em sequestrar nossa autonomia em nome da pressa sistêmica. 

Como diz o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, vivemos na “sociedade do cansaço”, em que o indivíduo se torna seu próprio opressor ao internalizar a lógica da performance. Ter tempo passou a ser uma forma de resistência.

O silêncio, por sua vez, deixou de ser ausência para se transformar em estratégia. No barulho das ruas, dos feeds, dos debates polarizados, o silêncio cria espaço para pensar, para metabolizar o que se vive, para recuperar a capacidade de escuta. No ambiente corporativo hiperconectado, silêncio é foco. É atenção plena. É a chance de voltar a ouvir a própria voz em meio a tantas notificações que exigem respostas imediatas.

E a privacidade, terceira joia rara desse trio, talvez seja a mais ameaçada. A economia da exposição, impulsionada pelo imperativo do mostrar para existir, vem reduzindo nossos limites pessoais a pixels compartilháveis. O capitalismo da vigilância virou negócio e fragmentou a intimidade como matéria-prima de negócios multimilionários. Preservar a privacidade passou a ser um ato de autocuidado e, em muitos casos, um gesto de coragem. É estabelecer fronteiras claras em um mundo que não as reconhece naturalmente.

Outros pensadores ajudam a ampliar essa conversa. O escritor suiço Alain de Botton, por exemplo, considera que um dos grandes luxos contemporâneos é a simplicidade voluntária, o poder deliberado de não se deixar capturar por expectativas externas que não combinam com a própria identidade. A verdadeira sofisticação está na capacidade de estar presente sem distrações.

Não se trata de desacelerar como quem abandona o volante, mas de entender que velocidade demais pode custar caro. Acidentes não acontecem apenas nas estradas. Acontecem nas carreiras, nas relações, nas emoções. A pressa tem interrompido jornadas brilhantes, silenciado talentos e exaurido pessoas que, por fora, parecem estar no auge. 

O final do ano sempre convida para balanços, mas este, em particular, parece convocar algo mais profundo: um auto sobre o que realmente sustenta nossas escolhas.

No pano de fundo dessa corrida desmedida pela performance e pela aparência, há um exército silencioso de pessoas se sentindo acuadas. Gente que acredita que precisa mostrar mais, produzir mais, comprar mais, ocupar mais espaço enquanto, por dentro, lida com o desconforto de nunca se sentir suficiente. Um ciclo cruel, que transforma a vida em vitrine e a autoestima em métrica.

Os verdadeiros luxos dos tempos modernos não brilham. Eles acolhem. Não servem para impressionar, mas para cuidar. E talvez seja esse o convite mais honesto que podemos fazer a nós mesmos neste final de ano: o de revisitar o que tem valor, não o que tem preço; o que alimenta, não o que apenas ocupa; o que sustenta a caminhada, não o que só adorna a chegada.

Se encontrarmos tempo, silêncio, privacidade, e o discernimento para protegê-los, talvez possamos entrar no próximo ciclo não apenas mais produtivos, mas verdadeiramente mais inteiros.


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Imagem: IA StableDiffusion

 
 
 

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