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Ser vendido: sucesso ou fracasso?

Quando uma empresa muda de mãos, o mercado costuma reagir em modo automático: comemora-se o valuation, celebra-se a liquidez, fala-se em novo ciclo, sinergias, relançamento estratégico. Mas, por trás dessa espuma corporativa, existe uma pergunta incômoda que costuma ficar soterrada: quando uma empresa é vendida, estamos olhando para um caso de sucesso ou para um fracasso institucional?

Ser vendido não é, por definição, nem sucesso nem fracasso. É consequência. E o julgamento depende, essencialmente, do propósito original do negócio.

Há empresas que nascem com o DNA de serem vendidas. São estruturadas desde o primeiro dia para atrair investidores, multiplicar valor e entregar ao mercado aquilo que prometem: inovação rápida, produto escalável e saída estratégica bem executada. Quando essas empresas chegam ao momento da venda, e chegam com valuation robusto, não há dúvida: é sucesso. Foi para isso que foram desenhadas. Os fundadores cumpriram sua tese, o comprador enxergou valor e o mercado validou a estratégia.

O problema começa quando esse mesmo raciocínio é aplicado a empresas que nunca foram pensadas para isso. Marcas institucionais, com história, cultura própria, identidade reconhecida e papel simbólico relevante. Quando empresas desse porte são vendidas, raramente isso representa uma vitória estratégica. Em geral, é o resultado de uma combinação de má gestão, dificuldade de adaptação ou leitura tardia dos movimentos do mercado.

A Tiffany & Co. é um exemplo emblemático desse ponto de inflexão. Fundada em 1837, tornou-se um símbolo do luxo americano, com identidade própria e enorme capital cultural. Sua venda para o grupo LVMH não deixa dúvidas sobre quem realizou o melhor negócio. O conglomerado francês incorporou uma marca globalmente consagrada. Já a Tiffany, institucionalmente, encerrou um ciclo que não conseguiu sustentar de forma autônoma. Quem comprou avançou. Quem vendeu resolveu um problema.

A mesma lógica pode ser observada na trajetória da Revlon. Fundada em 1932, a empresa construiu uma marca global no setor de beleza, atravessando décadas como referência cultural e comercial. As sucessivas mudanças de controle e processos de venda ao longo do tempo não refletiram uma tese clara de saída, mas sim a dificuldade de acompanhar a velocidade das transformações do mercado. Aqui, novamente, a venda aparece menos como estratégia e mais como consequência de uma virtual decadência, que culminou com seu pedido de falência e gestão entre aos seus credores.

No setor farmacêutico, um caso emblemático pode ser a Merrell Lepetit, uma marca que nasceu de uma lógica de associação e consolidação, resultado da combinação de operações e ativos da norte-americana Merrell com o laboratório europeu Lepetit, ambos já integrados a estratégias industriais mais amplas. Ao longo do tempo, essa estrutura foi incorporada pela Hoechst AG, num movimento típico de busca por escala, robustez científica e presença internacional. A própria Hoechst, ao fundir suas operações farmacêuticas com a Rhône-Poulenc, deu origem à Aventis, reforçando a tendência de concentração e racionalização do setor. Poucos anos depois, a Aventis foi adquirida pela Sanofi-Synthélabo, num passo decisivo de reposicionamento global, integração de portfólio e fortalecimento institucional. Com o amadurecimento dessa estratégia, a marca Sanofi-Synthélabo foi simplificada para Sanofi, sinalizando foco, clareza e liderança. No fim desse percurso, a Merrell Lepetit, como a Hoechst, a Rhône-Poulenc e a Aventis deixaram de existir como marcas autônomas e passaram a fazer parte do ativo incorporado a uma das maiores farmacêuticas do mundo, m retrato claro de como, na indústria farmacêutica, a perenidade muitas vezes não está no nome, mas na capacidade de ser integrado ao vencedor da corrida de longo prazo.

Já no mercado de alimentos, o fenômeno da concentração também é muito comum. Marcas como Lacta e Kibon nasceram como empresas com identidade própria, forte presença nacional e vínculo emocional com o consumidor. Ao serem incorporadas por grandes grupos globais, deixaram de ser instituições para se tornarem produto, linha ou categoria dentro de portfólios maiores. Permaneceram relevantes comercialmente, mas perderam autonomia institucional.

Quem compra amplia escala e portfólio. Quem vende abdica de um projeto de perenidade.

É por isso que, dentro das empresas vendidas, a celebração deveria ser mais contida. Pode haver alívio financeiro, pode haver expectativa de investimentos e até ganhos operacionais. Mas, institucionalmente, a venda de uma organização criada para durar "para sempre" revela que algo falhou antes, seja na governança, na liderança ou na capacidade de se renovar com a velocidade que o tempo exige.

Empresas não colapsam por falta de talento. Colapsam por lentidão. O mercado sinaliza, o consumidor muda, a tecnologia pressiona. Quem entende cedo se reinventa. Quem entende tarde não tem outra saída a não ser vender o negócio.

No fim, o título se responde sem atalhos: ser vendido é sucesso quando faz parte da tese. E é fracasso quando contraria o propósito. O desafio das lideranças está em decidir, desde o início, se estão construindo algo para ser passado adiante ou algo para atravessar o tempo.

Porque, institucionalmente, ninguém quer ser vendido por necessidade. Quer ser comprado por visão.


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