Reputação na era da desconfiança: o que está mudando na Comunicação
- Luis Alcubierre

- há 3 dias
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A reputação das organizações nunca foi tão medida e, ao mesmo tempo, tão frágil. Em diferentes pesquisas ao redor do mundo, cresce a percepção de que reputação deixou de ser uma consequência simpática de fazer o bem e passou a ser um ativo estratégico, monitorado com a mesma disciplina com que se acompanha fluxo de caixa ou share de mercado. Nesse movimento, a comunicação deixou há muito tempo de ser a área que embelezava a imagem para assumir um lugar mais incômodo: o de espelho da coerência. Ou da falta dela.
Em muitos países, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, os conselhos e lideranças executivas discutem de forma crescente a reputação como parte da gestão de risco, do modelo de negócios e da legitimidade social. Não é mais apenas “como estamos aparecendo?”, mas “o que nosso comportamento, nossas omissões e nossas decisões estão comunicando sobre quem somos?”. Nesse cenário, três expressões ganham força: transparência, coerência e responsabilidade. E não como slogan, mas como critério de avaliação cotidiana.
Uma tendência clara é a saída da Comunicação de Reputação do campo exclusivamente narrativo. Se antes o esforço estava em contar bem a história, agora o foco se desloca para comprovar a história. Como vários colegas já escreveram neste espaço, menos storytelling, mais storydoing e storyproving, por favor. Isso aparece no uso mais intenso de dados. Não só os tradicionais indicadores financeiros, mas métricas de confiança, clima interno, percepção de stakeholders, impacto socioambiental e qualidade de relacionamento com comunidades, governos e reguladores. Em muitos casos, a Comunicação passa a ser quase uma curadoria de evidências, ou seja, o que temos de concreto para sustentar aquilo que dizemos ser?
Outro movimento importante é a centralidade da escuta. A gestão da reputação está se tornando, em vários mercados, um grande exercício de escuta estruturada: monitoramento de redes sociais, análise de conversas em fóruns e imprensa, mapeamento de expectativas de diferentes públicos, escuta interna com colaboradores e lideranças intermediárias. Não se trata só de medir o buzz, mas de entender tensões. Quais temas geram atrito entre o que prometemos e o que entregamos? Em que pontos nossos discursos sobre ética, diversidade, impacto ambiental ou inovação entram em choque com a vivência real das pessoas com a nossa marca?
As redes sociais, que por um bom tempo foram tratadas como simples canais de visibilidade, também já entraram definitivamente na pauta do risco reputacional. A lógica não é mais estar presente em todas as plataformas, mas ter clareza sobre o quanto estamos expostos a interpretações, narrativas e contranarrativas. As tendências globais indicam que organizações mais maduras em reputação têm políticas claras de engajamento, critérios de posicionamento público e protocolos para crises, mas também reconhecem limites. Há pautas em que o silêncio responsável é melhor do que um posicionamento apressado e vazio. A discussão não é só falar ou não falar, mas “se temos legitimidade para falar sobre isso?”.
Também chama atenção a forma como reputação passa a atravessar a governança e a cultura. Em vários estudos recentes, a pergunta deixou de ser apenas “o que a área de comunicação está fazendo?” e passou a ser “como o conselho e a alta liderança incorporam a dimensão reputacional nas suas decisões?”. A coerência entre discurso e prática depende menos de um bom plano de comunicação e mais de decisões difíceis, como a de recusar negócios que ferem o propósito declarado, rever cadeias de fornecedores, enfrentar práticas internas que mantêm desigualdades, revisar incentivos que premiam resultados de curto prazo às custas de riscos de longo prazo, entre tantas outras.
Ao mesmo tempo, cresce a cobrança por humanização. Em um ambiente marcado por polarização no mundo todo, o cansaço informativo e a desconfiança nas instituições fazem com que organizações que tratam comunicação como mera defesa de tese tendam a perder espaço. Há uma disposição clara à valorização de narrativas mais honestas sobre dilemas, limitações e aprendizados. Isso não significa se expor de forma ingênua, mas reconhecer que dizer “não sabemos ainda”, “estamos revendo nossa postura” ou “erramos e corrigimos assim” pode gerar mais confiança do que mensagens impecáveis e inverossímeis. Chega de pose! Bater no peito e trazer legitimidade à conversa é um salto gigantesco no modelo que prevaleceu por décadas.
No campo mais prático, a gestão da reputação tem caminhado para um modelo integrado. Comunicação corporativa, relações institucionais e governamentais, sustentabilidade, compliance, gestão de risco, recursos humanos e até marketing começam, pelo menos em intenção, a compartilhar uma mesma leitura de cenário. Onde isso funciona melhor, a reputação deixa de ser um indicador de imagem externa e passa a ser um reflexo de como a organização se relaciona com todos os seus públicos, do colaborador ao regulador. Em vez de uma coleção de ações pontuais, surge a ideia de sistema que reúne de uma vez decisões, comportamentos, políticas internas e mensagens externas, formando uma narrativa única, testada diariamente pela realidade.
Em resumo, a tendência global na comunicação de reputação parece caminhar em três direções complementares:
Menos adorno e mais substância, na qual a reputação tem como efeito a coerência entre o que se decide, o que se faz e o que se comunica.
Menos monólogo e mais escuta, na qual a reputação é resultado de um diálogo permanente com diferentes expectativas e sensibilidades.
Menos isolamento e mais integração, que trata da reputação como responsabilidade compartilhada entre áreas, lideranças e cultura organizacional.
Talvez o ponto mais importante não seja aderir a todas as tendências, mas fazer uma pergunta incômoda e permanente: a imagem que projetamos é, de fato, sustentável frente às experiências que entregamos e às escolhas que fazemos? É nessa tensão, entre discurso, prática e percepção, que a reputação está sendo redesenhada. Aqui e em boa parte do mundo.
Resumo: A reputação torna-se ativo estratégico: comunicação baseada em coerência, evidências, escuta e integração para construir confiança na era da desconfiança.






























































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