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Quando a vaidade cala a música

A notícia da morte do fundador do Supertramp, Rick Davies, ainda me atravessa como uma nota dissonante. Não apenas pela perda de um músico brilhante, mas porque reacende uma pergunta que permanece em mim: por que Rick e Roger Hodgson não seguiram juntos, quando tudo mostrava que o encontro deles era maior do que qualquer divergência?


Nos anos 70, o Supertramp mostrou ao mundo o que acontece quando duas correntes criativas se complementam. Rick, com seu R&B sofisticado, sua verve jazzística e uma pegada quase urbana; Roger, com o lirismo espiritual, melodias etéreas e a inquietação de um poeta. A tensão entre essas vozes opostas não era defeito: era o motor. Juntos, criaram canções que marcaram gerações, das mais contemplativas às mais pulsantes.


O álbum ...Famous Last Words…, de 1982, é prova incontestável dessa potência. Mesmo quando já caminhavam em direções distintas, Rick e Roger entregaram um trabalho coeso, elegante e ousado. My Kind of Lady, com seu balanço R&B, e It’s Raining Again, puro lirismo pop, convivem sem fricção. Os arranjos de sopro, a base rítmica segura, o piano de Rick dialogando com as melodias cristalinas de Roger: tudo ali grita harmonia, não ruptura. Um case de sucesso criativo que a história transformou em despedida.


Mas o ego é um maestro traiçoeiro. Divergências pessoais, prioridades diferentes, vaidades inevitáveis. E o que poderia seguir sublime se perdeu em distâncias. Não houve brigas escandalosas nem quedas de braço judiciais. Houve algo mais sutil e talvez mais triste: a incapacidade de enxergar que o contraste era força, não fraqueza.


Hoje, diante da partida de Rick, é impossível não pensar no que poderia ter sido. Quantas novas canções nasceriam desse diálogo? Quantos shows, quantas turnês, quantas gerações ainda seriam tocadas pela parceria intacta? Roger seguiu seu caminho, Rick manteve o nome Supertramp e uma carreira sólida, mas ambos, em alguma medida, perderam. E nós, fãs, também.


Que essa história nos faça pensar. Em nossas equipes, empresas, famílias, quantas vezes o egoísmo e a vaidade minam encontros transformadores? A convivência de diferenças é trabalho duro, mas é nela que reside a inovação verdadeira. Rick e Roger provaram, mesmo em seu último disco juntos, que dois talentos divergentes podem criar algo único e inesquecível. Que não precisemos das "famosas últimas palavras” para valorizar os encontros que a vida nos oferece.

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