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O preço do abandono

EXCLUSIVO


O Rio de Janeiro voltou a ser manchete pelo motivo errado. A megaoperação contra o tráfico que deixou dezenas de mortos reacende um drama que não é apenas policial, mas institucional e sobretudo humano. Há décadas, o país convive com a erosão silenciosa da autoridade pública, substituída pela força paralela do crime organizado, que ocupa o espaço onde o Estado se ausentou. A guerra de hoje é apenas o capítulo mais recente de um abandono que se estende por gerações.


O poder das facções não se limita às armas. Ele se sustenta em uma narrativa de pertencimento e poder que o Estado, por inércia ou arrogância, deixou de disputar. Enquanto o crime oferece identidade, proteção e até serviços, ainda que baseada na propina e no medo, a presença pública chega por meio da repressão. O que começou como tráfico tornou-se governança de territórios, com seus próprios códigos e leis. E a população, especialmente nas favelas, continua sendo o público cativo de um espetáculo que mistura medo, sobrevivência e descrença.


Quando o Estado reage com operações de guerra, tenta corrigir décadas de ausência em um só movimento. Mas o poder público ainda precisa compreender que segurança também se constrói com proximidade, confiança e presença contínua. Sem isso, o cidadão não vê autoridade. Apenas força. A reconstrução da legitimidade estatal passa menos pelo número de armas apreendidas e mais pela capacidade de inspirar credibilidade, mostrar coerência e agir com intenção.


Governar, hoje, é reconstruir vínculos. É reocupar o espaço simbólico e afetivo que o crime ocupou, oferecendo sentido onde antes havia só promessa. As ações públicas precisam ser instrumentos de pacificação, não com slogans, mas com participação, coerência e compromisso. O poder não se sustenta apenas pela lei, mas pela legitimidade percebida. E é isso que se perdeu no Brasil: a percepção de que o Estado fala com o cidadão, e não sobre ele.


A tragédia do Rio, portanto, não é apenas a da violência, mas a da desconexão. O tráfico prospera onde o diálogo com a sociedade morreu e a presença não é permanente. O que o país assiste hoje é o resultado de um colapso de confiança entre Estado e população. E enquanto essa ponte não for reconstruída, com ética, empatia e continuidade, qualquer vitória será apenas momentânea. E qualquer operação, apenas mais um eco do silêncio que deixamos crescer.


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