O violento ciclo da segurança no varejo
- Luis Alcubierre
- 7 de jul.
- 3 min de leitura
Em mais uma semana que deveria ser apenas mais uma semana, o noticiário escancarou novamente um padrão de violência no setor de varejo brasileiro. Desta vez, a cena se passou em Curitiba, dentro da unidade de uma grande rede de supermercados. Rodrigo da Silva Boschen, de 22 anos, foi abordado por seguranças após o suposto furto de uma barra de chocolate (aqui sou obrigado a escrever "suposto" porque não há confirmação legal de que Rodrigo da Silva Boschen tenha efetivamente levado o produto). Imagens mostram a fuga para uma área externa, a violência da contenção, o uso do mata-leão, os pés amarrados, a calça abaixada e o desfecho fatal. Dias depois, a Polícia Federal revelou que a empresa contratada pela varejista para fazer a segurança era clandestina. Operava sem qualquer credenciamento junto aos órgãos de fiscalização. Três homens foram presos, um está foragido. A família chora, a sociedade se indigna, e a empresa tenta se explicar. Soa familiar? Soa porque é.
Os casos se repetem. Salvador, 2021: tio e sobrinho entregues por funcionários de um supermercado a traficantes e assassinados após uma tentativa de furto. Porto Alegre, 2020: João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, espancado até a morte por seguranças terceirizados na véspera do Dia da Consciência Negra. A tragédia de João Alberto foi tão devastadora e tão simbólica que provocou um movimento sem precedentes no setor empresarial: a criação do >MOVER, uma aliança pela equidade racial. Um pacto firmado por gigantes da indústria alimentícia e do varejo para promover inclusão, diversidade e reparação. Um esforço admirável, do qual tenho orgulho de ter participado, mas que também revelou a dimensão do problema e o tamanho da dívida social que muitas marcas carregam.
Na comunicação corporativa aprendemos desde cedo que reputação é construída com anos de consistência, mas pode ser destruída em minutos. E ainda assim, algumas empresas parecem operar com uma lógica de mitigação tardia. Publicam mensagens calculadas, falam em “fato isolado”, trocam de fornecedor e acreditam ter encerrado a crise. Não encerraram, simplesmente porque a crise verdadeira não está no post indignado nas redes, nem nos protestos na porta da loja. Ela está no modelo mental que terceiriza a ética junto com a vigilância. Aqui um parêntese. Sempre serei favorável à terceirização prioritariamente pela especialização, mas jamais pela redução de custos.
Retorno. Um protocolo de segurança não é apenas um manual de contenção. Ele é uma declaração de valores. Quem você contrata para proteger seus clientes é, na prática, a extensão da sua marca. E, se essa extensão falha, a sociedade não distinguirá entre o vigilante clandestino e o nome no letreiro luminoso da fachada. Ao contrário, esse nome será gravado nas manchetes, nos trending topics, nos boletins de ocorrência.
As empresas precisam com urgência de uma governança que faça perguntas incômodas: sabemos quem são nossos prestadores de serviço? Eles são legalmente habilitados? Estão treinados em técnicas de desescalada e abordagem humanizada? Nossos gestores fiscalizam a atuação ou preferem não ver? Há canais seguros para funcionários denunciarem abusos sem medo de retaliação?
Não se trata de relações públicas; trata-se de compromisso com a vida.
E quando o erro acontece, o único caminho ético e estratégico é reconhecer, reparar e transformar. Reconhecer o dano com empatia verdadeira, sem subterfúgios linguísticos. Reparar com ações concretas: apoio às famílias, desligamento de fornecedores irregulares, revisão ampla de protocolos. Transformar a cultura interna com treinamento, compliance e auditoria externa. Comunicação de crise é, acima de tudo, gestão de futuro.
As organizações que se recusam a enxergar isso continuam girando no mesmo ciclo: uma tragédia, uma nota oficial, uma hashtag, um silêncio constrangedor até o próximo caso. Romper esse ciclo exige coragem para colocar o ser humano no centro. Exige aceitar que segurança sem humanidade é só uma forma diferente de violência. Uma que sempre volta para cobrar um preço alto demais.

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