A infantilização das cores
- Luis Alcubierre
- 2 de mai.
- 3 min de leitura
Nos últimos dias, uma discussão curiosa, e um tanto ridícula, ganhou espaço no noticiário e nas redes sociais: a possível troca da camisa número 2 da Seleção Brasileira, tradicionalmente azul, para a cor vermelha, uma referência ao pau-brasil, árvore que dá nome ao País. O que poderia ser uma homenagem à nossa identidade virou palco para interpretações políticas: seria o vermelho uma alusão ao partido no poder? Estaríamos substituindo o azul, cor do Pavilhão Nacional, por um tom “ideológico”? Ou tentando compensar o uso simbólico do verde-amarelo pelo bolsonarismo? Seria uma forma encontrada pela Nike para vender camisas para todos em um país polarizado? Ou uma estratégia de marketing para introduzir sua marca Air Jordan como fornecedora oficial da CBF?
É nesse ponto que precisamos parar e refletir: estamos infantilizando as cores.
Atribuir ideologia a uma cor é uma maneira rasa de interpretar o mundo. É voltar à lógica binária do jardim de infância, onde azul é de menino e rosa é de menina, só que agora no universo político, esportivo e até institucional. No futebol, torcedores do Corinthians evitam usar verde por ser a cor de seu arqui-rival Palmeiras. Em outros países, há quem se recuse a fazer o mesmo com as cores do adversário. No ambiente político brasileiro, o vermelho passou a ser associado automaticamente à esquerda e o verde-amarelo à direita, como se a complexidade de um país pudesse ser resumida a uma paleta de cores. A ideia de que uma cor, mesmo estabelecida como parte identitária de algo ou alguém é reducionista e apequena o debate intelectual, porque ninguém a tem como propriedade. É como se alguém afirmasse que o Internacional de Porto Alegre é um time de comunistas ou o Mirassol, aqui do interior de São Paulo, fosse bolsonarista.
Essa guerra simbólica revela mais do que rivalidade ou preferência: revela uma incapacidade de lidar com a diversidade e a liberdade. E isto não tem nada a ver com agenda woke. Quando a cor vira provocação, e não expressão, algo se perdeu. Quando uma camisa vira bandeira ideológica, e não símbolo de união, algo se rompeu.
No fundo, essa obsessão pelas aparências, pelo que uma cor representa, é característica de regimes autoritários, que transformaram símbolos em mecanismos de controle. Geralmente neles que as cores são transformadas em armas, e bandeiras são apropriadas por partidos, como se a pátria tivesse dono. É um teatro do absurdo. Ao reduzir o debate público a essa superficialidade, caímos na armadilha de dar voz a um radicalismo infantilizado que empobrece o pensamento, o diálogo e o convívio democrático. Uma camisa é apenas uma camisa. Uma cor é apenas uma cor. O mundo é mais complexo, e mais bonito, do que um cenário empobrecido pela ignorância e a má-fé.
O Brasil é múltiplo, é multicolorido. A camisa da Seleção pode ser azul, vermelha, dourada ou com a fauna do cerrado estampada, desde que o que ela represente seja maior do que as paixões passageiras do momento. Cores não são propriedade de partidos, torcidas ou movimentos. São parte do patrimônio comum da cultura, da arte e da vida. O verdadeiro símbolo nacional é nossa capacidade de coexistir. E isso, infelizmente, não está na escala de cores de nenhum uniforme. Não devemos dar importância a essas manobras. Ao contrário, devemos enfrentá-las com ironia, inteligência e liberdade.

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