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Caça ao líder

Atualizado: 29 de mar. de 2024

Nem sempre os melhores, mas os mais adequados é que fazem a diferença em uma equipe vencedora. Seria o atual Corinthians uma fonte de inspiração para as empresas?

A liderança temporária do Corinthians no Campeonato Brasileiro nos mostra uma das faces mais curiosas de uma competição. Como é possível que, de time desacreditado no início do ano, ele tenha em sete meses vencido o campeonato estadual mais difícil do País e esteja liderando com folgas o torneio nacional, alcançando o recorde histórico de pontos ao final do primeiro turno? Não era difícil fazer prognósticos na fase preparatória: o alvinegro vinha de uma campanha medíocre no Brasileirão de 2016, quando o Palmeiras sagrou-se campeão, e alcançou apenas 48% dos pontos possíveis, tendo terminado em sétimo lugar na tabela.

Além disso, depois do vencedor Tite deixar o elenco para assumir a Seleção Brasileira, buscou no mercado dois profissionais para o comando da equipe, até que a diretoria concluiu ser melhor promover o auxiliar Fábio Carille e economizar, já que os resultados não vinham, as dívidas se acumulavam e tinham de ser sanadas. Pesou o fato de Carille ser um bom funcionário do clube, de ter estado ao lado de importantes treinadores e colhido uma ótima experiência nos últimos anos. Mas daí a apostar que as conquistas viriam, e de forma tão rápida, há uma grande distância. Então, qual o segredo? De acordo com recente declaração de Carille, parafraseando o ex-técnico Muricy Ramalho, “aqui é trabalho”. Mas não só.

Ninguém entra em um jogo para perder e todos entram em um campeonato ao menos para abocanhar um título, uma classificação para um torneio de maior relevância ou o dinheiro da televisão, de federações e confederações, de patrocinadores, da compra e venda de jogadores, não importa. É preciso sair no lucro. Da mesma forma, nenhuma empresa entra no mercado para perder, muito pelo contrário. Entra para, além de ganhar, ser líder. É fato que algumas organizações posicionam produtos para, ao menos, estar entre os dois ou três mais vendidos. Faz parte da estratégia. No entanto, por trás dela está o desejo de assumir a liderança de seu setor, seja em vendas, em inovação ou qualquer outro predicado. Nos valores assumidos pelas companhias e até mesmo em debates e matérias, vejo profissionais de alto nível caindo na tentação de dizer que possuem, buscam ou contratam os melhores. Se isso fosse verdade, apenas uma empresa os teria. Por essa e por muitas outras razões seja tão importante a competição e a necessidade de termos excelentes quadros em todo o mercado. E não necessariamente os melhores, mas os mais adequados ao estilo, à cultura e à história das organizações. O País e seus consumidores saem fortalecidos.

O paradigma que estamos acompanhando do atual líder do Campeonato Brasileiro reúne uma série de suposições que me fazem acreditar ser possível alcançar o “nirvana” com outro tipo de fórmula, que não a efêmera dos melhores. Tanto no futebol como na vida corporativa há inúmeros exemplos de que a concentração de craques nem sempre dá certo. Talvez o sucesso esteja na conjunção de algumas variáveis:

1. Liderança do técnico. Por formação ou talento nato, Carille entende a linguagem do boleiro. Tem um plano técnico e tático, dá o norte aos seus comandados, mas também ouve sugestões deles. Durante o calor dos jogos, inclusive, releva algumas decisões tomadas pelos jogadores, mesmo que tenha pedido outra coisa.

2. Autoestima e confiança. Uma equipe vencedora tem muito do mental. É a tal da fase boa ou fase ruim, melhor explicado pela psicologia. Ambas têm o poder de levar uma pessoa ou uma equipe a conquistas ou perdas. E ambas invariavelmente têm prazo de validade. Por isso seja tão importante alongar o máximo possível a fase boa, ao menos até o final da missão. Se bem canalizada, a confiança é capaz de manter as pessoas frias até mesmo em momentos de maior pressão.

Exemplo destes dois primeiros pontos foi o gol de Jô contra o Palmeiras, ainda pelo Campeonato Paulista. Faltando quatro minutos para acabar a partida, o time de Palestra Itália jogava muito melhor e sufocava. Em um rebote da defesa, a bola foi parar pouco depois do meio de campo, no lado esquerdo. O jogador corintiano Maycon saiu em disparada para marcar a bola que ia para o jogador alviverde Guerra. Carille gritou, “só cerca”, mas Maycon sentiu-se seguro para chegar mais perto, roubar a bola e passar para Jô finalizar. Um a zero, vitória garantida e uma tremenda injeção de ânimo no grupo.

3. Jogo coletivo mais importante que o talento individual. O Corinthians possui ótimos recursos, mas há clubes com melhor elenco, apesar da comparação ser feita em um País onde o nível do futebol infelizmente está abaixo de outros mercados. O que se pode concluir é que a força do conjunto, no qual um busca maior sintonia com o outro, acaba por se destacar em relação aos adversários que apresentam melhores jogadores.

4. Foco. A aplicação tática e a entrega dos atletas têm feito toda a diferença. Não importa se o jogo acontece em casa ou fora dela. O nível de concentração tem sido alto em praticamente todas as partidas.

5. Entender seu papel no grupo e cumpri-lo. Uma das razões que explica tamanho sucesso é que os jogadores sabem exatamente o que o treinador espera deles, colocando suas habilidades no cumprimento das tarefas.

6. Índice pequeno de falhas. Não existe jogo perfeito. Em algum momento alguém erra, claro. Mas em geral, quem erra menos faz a diferença. Além do mais, os erros não têm sido capitais, talvez pelo alto nível de concentração que os atletas têm apresentado, e existe uma certa tolerância com as falhas por parte do técnico.

7. Aprendizado. Técnico e jogadores estão constantemente pensando nisso. Se algo não está dando certo, avaliam, aprimoram e repetem nos treinos até a exaustão para que na hora do vamos ver os problemas não voltem a acontecer.

8. Automotivação. O jogo coletivo é indispensável, mas se os indivíduos de uma equipe não encontram em si mesmos a motivação para fazer o seu trabalho, nada do que vimos antes se sustenta.

9. Humildade e fairplay. Nunca há jogo ganho. Seja antes ou depois das partidas, é preciso encarar cada uma das batalhas como passo para a missão cumprida. E dentro das regras, com respeito a todos. Em seu último jogo no primeiro turno, o Corinthians cometeu apenas duas faltas durante os noventa minutos. Menos do que o número de gols que marcou. Algo inédito.

É interessante ver que o esporte no Brasil, tantas vezes visto como uma atividade amadora do ponto de vista corporativo, ainda seja capaz de inspirar pessoas e empresas. E é provável que o hoje imbatível Corinthians deixe de sê-lo em algum momento. É natural. O que não significa que devemos ignorar os sinais que explicam seu atual sucesso e a ponta da tabela que alcançou.

Foto: Daniel Augusto Jr. | Agência Corinthians

 
 
 

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